O artigo discorre acerca da obrigação alimentícia legal voltada ao poder familiar, com o recorte da filiação. Ressalta-se, no entanto, a existência legal de alimentos decorrentes de casamento, união estável ou relações de parentesco (art. 1.694 e 1696, CC/02).
Os alimentos são prestações devidas em decorrência da necessidade de sustento pessoal e manutenção da dignidade, a partir do patrimônio mínimo, dos que não podem provê-las por si mesmos. Os que pleiteiam os alimentos são os alimentandos, ou credores, e os que tem o dever de cumprir com esta obrigação são os alimentantes, ou devedores.
Nesse sentido, caso a obrigação não seja cumprida, ela pode ser exigida, seja com desconto dos rendimentos do devedor, com bloqueando os bens pertencentes ao alimentante ou mesmo por meio da coerção pessoal, com a prisão civil deste.
Uma questão que gera muitas dúvidas é até quando a obrigação de prestação alimentícia é devida. Se ela se encerra a partir da maioridade civil e capacidade, se ela permanece até a possibilidade de sustento próprio do alimentando, se é necessária a decisão judicial de exoneração, isto é, a decisão que reconheça ou afaste o fim da obrigação alimentícia… são estas dúvidas que se pretende responder com o presente artigo.
De início, importa destacar que, conforme o civilista Tartuce1, são hipóteses da extinção da obrigação de prestar alimentos: a) a morte do credor (uma vez que se trata de obrigação personalíssima); b) a alteração substancial do trinômio alimentar ou desaparecimento de um dos seus requisitos (art. 1699, CC/02); c) no caso de menores, quando atingem a maioridade, não ocorrendo de forma automática, sendo preciso uma ação de exoneração (este ponto será melhor abordado em sequência); d) a dissolução do casamento ou da união estável, sendo possível a fixação de alimentos em sentença de divórcio – destaca-se que, em regra, novo casamento do devedor não extingue a obrigação, enquanto a do credor, sim; e) comportamento indigno do credor em relação ao devedor.
Sobre a possibilidade descrita no tópico “c”, conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “a maioridade civil e a capacidade, em tese, de promoção ao próprio sustento, por si só, não são capazes de desconstituir a obrigação alimentar, devendo haver prova pré-constituída da ausência de necessidade dos alimentos” (HC 871.593/MG, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 13/3/2024).
Somado a isso, se tem que a exoneração do alimentante necessita de uma decisão judicial, para que ambas as partes possam participar da decisão, seja produzindo provas ou expondo as suas razões, de modo a influenciar ativamente na decisão. Isso inclusive é tema da Súmula 358 do STJ, que preceitua: “O cancelamento de pensão alimentícia de filho que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante contraditório, ainda que nos próprios autos. (SÚMULA 358, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13/08/2008, REPDJe 24/09/2008, DJe 08/09/2008)”.
Há, ainda, o entendimento doutrinário – Enunciado n. 344 do CJF/STJ: “A obrigação alimentar originada do poder familiar, especialmente para atender às necessidades educacionais, pode não cessar com a maioridade” – e jurisprudencial pacificado de que a obrigação possa continuar tratando-se de filho universitário, até que este encerre os seus estudos (STJ, Ag. Rg. 655.104/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 28.06.2005 e premissa 4 da Edição 65 da ferramenta Jurisprudência em Teses). No entanto, é importante frisar que, para o STJ, o alimentante não possui a obrigação de manter o custeio do ensino pós-universitário (STJ, REsp 1.218.510/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 27.09.2011)2.
O tema possui relevância pois, apesar de pacificado, ainda há diversas discussões nesse sentido, principalmente quanto a necessidade do contraditório para a exoneração do alimentante. A exemplo, cita-se o informativo do STJ, de número 822, da semana do dia 27 de agosto de 2024. O ponto da controvérsia se pautava na alegação, pelo alimentante, de que a alimentanda era maior de idade e possuía emprego fixo. No entanto, a alegada capacidade econômica foi vista tão somente com base em alegações e documentos produzidos unilateralmente pelo alimentante – de modo que não se submetesse ao contraditório. Ainda, a alimentanda, no caso, não alcançava em seus rendimentos o piso nacional.
No caso em questão, houve a prisão civil, uma vez que o ajuizamento da ação exoneratória não retira a exigibilidade da obrigação, mormente quanto às prestações antecedentes. Há, no entanto, a possibilidade de pedido de tutela provisória de urgência quanto ao pedido que, a partir da análise pelo magistrado, caso deferida, suspende durante a discussão a exigibilidade da obrigação alimentar.
Por tudo isso, como visto, a obrigação alimentar não se extingue automaticamente. Logo, necessita-se de medidas judiciais próprias para que a exoneração quanto à obrigação se revele. Imprescindível, para tanto, a assistência jurídica para que se possa buscar a exoneração da obrigação da maneira correta, afastando o risco de prisão civil.
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1 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 8ª edição. São Paulo: Método, 2018.
2 “é presumível (presunção iuris tantum) a necessidade de os filhos continuarem a perceber alimentos após a maioridade, quando frequentam curso universitário ou técnico, porque se entende que a obrigação parental de cuidar dos filhos inclui a outorga de adequada formação profissional. Porém, o estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode ser imposto aos pais de forma perene, sob pena de subverter o instituto da obrigação alimentar oriunda das relações de parentesco, que objetiva preservar as condições mínimas de sobrevida do alimentado. Em rigor, a formação profissional completa-se com a graduação, que, de regra, permite ao bacharel o exercício da profissão para a qual se graduou, independentemente de posterior especialização, podendo assim, em tese, prover o próprio sustento, circunstância que afasta, por si só, a presunção iuris tantum de necessidade do filho estudante.”
Isabella Maria Machado Vieira
Estagiária do Carmo & Arantes Advogados Associados