Nesse artigo falaremos sobre o valor venal dos imóveis e os limites da cobrança do IPTU. Fique conosco!
O Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) é uma espécie tributária de competência municipal que recai sobre a propriedade, o domínio útil ou a posse sobre bens imóveis localizados em zona urbana ou urbanizável.
O seu cálculo resulta da aplicação de uma alíquota, definida na legislação própria de cada Município, sobre a sua base de cálculo, que, nos termos do art. 33 do Código Tributário Nacional, corresponde ao valor venal do bem, conceituado por Aliomar Baleeiro como sendo o valor “que o imóvel alcançará para compra e venda à vista, segundo as condições usuais do mercado de imóveis”[1].
Sendo assim, caso o ente tributante decida aumentar sua arrecadação através do IPTU, poderá fazê-lo mediante a majoração de sua alíquota ou de sua base de cálculo. Para isso, porém, devem ser observados todos os princípios e regras impostas pela legislação e que representam verdadeiras limitações ao poder de tributar, visando proteger o contribuinte contra eventuais abusos fiscais.
Dentre os princípios, merece especial atenção o da legalidade tributária, previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal e no artigo 97, inciso II, do Código Tributário Nacional, cujo conteúdo proíbe a criação e a majoração de tributos sem a necessária e prévia edição de lei em sentido estrito. Vejamos:
CF, Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;
CTN, Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
Diante disso, fazendo-se uma interpretação destes dispositivos aplicada ao IPTU, não é dado aos Municípios majorar a alíquota ou a base de cálculo do tributo sem a correspondente autorização legal, exigida sempre que a atualização do valor venal se der em montante superior aos índices de correção monetária.
A esse respeito, segue o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal, consonante com o que prevê a Súmula nº 160 do Superior Tribunal de Justiça[2]:
Recurso extraordinário. 2. Tributário. 3. Legalidade. 4. IPTU. Majoração da base de cálculo. Necessidade de lei em sentido formal. 5. Atualização monetária. Possibilidade. 6. É inconstitucional a majoração do IPTU sem edição de lei em sentido formal, vedada a atualização, por ato do Executivo, em percentual superior aos índices oficiais. 7. Recurso extraordinário não provido. (RE 648245, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL – MÉRITO DJe-038 DIVULG 21-02-2014 PUBLIC 24-02-2014.
Apesar da clareza dos textos constitucional e legal e da pacificidade com que o tema vem sendo tratado pelos tribunais brasileiros, a majoração do valor venal de imóveis por decreto ou simples decisão administrativa ainda é prática recorrente em alguns Municípios brasileiros, sofrendo o contribuinte um ilegal e inconstitucional aumento da exação.
Somado a isso, outro impasse que vem sendo enfrentado por contribuintes, também ligado ao IPTU, é a majoração do valor venal de imóveis para patamares muito superiores ao valor que foi considerado para fins de cálculo do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e de Direitos a eles Relativos (ITBI), espécie tributária que também possui como base de cálculo o “valor venal dos bens ou direitos transmitidos” (art. 38 do CTN).
Por mais que a jurisprudência pátria se posicione, majoritariamente, no sentido de não haver necessária identidade entre a base de cálculo do IPTU e do ITBI, espera-se que haja ao menos uma coerência entre elas, por recaírem, essencialmente, sobre o valor venal do bem.
Este é o entendimento que se encontra sedimentado no Superior Tribunal de Justiça, aqui bem representado por decisão do inexorável relator Min. Herman Benjamin no julgamento do AREsp nº 95.738 – SP, para quem “o preço efetivamente pago pelo adquirente do imóvel tende a refletir, com grande proximidade, seu valor venal, considerado como, repito, o valor de uma venda regular, em condições normais de mercado”.
Segue ementa da aludida decisão:
ITBI – Base de cálculo – Contribuinte que busca aplicar ao imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI) a mesma base de cálculo adotada pelo Município para o cálculo do IPTU – Impossibilidade – A base de cálculo do ITBI é o valor venal real do bem, assim tido como o valor de comercialização do imóvel. Desta forma, no caso de transmissão de bem imóvel por compra e venda firmada entre particulares, a base de cálculo do imposto de transmissão de competência municipal é o valor real da operação, devendo prevalecer sobre qualquer outro, pois o valor venal real é uma grandeza que não se confunde, necessariamente, com aquela indicada na planta genérica de valores (IPTU). (STJ – AREsp nº 95.738 – SP – 2ª Turma – Rel. Min. Herman Benjamin – DJ 08.03.2012).
Ora, conforme a indiscutível decisão do E. Tribunal da Cidadania, o valor de mercado do imóvel, apurado em recente alienação, deve se sobrepor ao valor estimado através de plantas genéricas de valores ou índices abstratos de zoneamento urbano.
A fim de ilustrar a questão, destaca-se outra decisão proferida por tribunal pátrio que determinou a revisão de tributo em virtude da discrepância excessiva entre avaliações de imóveis para fins de ITBI e ITPU, sem que houvesse motivos fáticos que a justificassem. Vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. IPTU. BASE DE CÁLCULO. VALOR VENAL DO IMÓVEL. EXISTÊNCIA DE PROVAS A DEMONSTRAR EXCESSO NA AVALIAÇÃO REALIZADA PELO MUNICÍPIO. A base de cálculo do IPTU não deve necessariamente ser a mesma do ITBI, tendo em vista que, embora em ambos os casos, a previsão legal seja o “valor venal” do imóvel, eles são apurados em momentos distintos. Possibilidade de impugnação judicial da avaliação realizada pelo Município. Caso concreto em que há provas a demonstrar o excesso na avaliação do imóvel, cabendo destacar a injustificada discrepância de valores entre a avaliação realizada no momento da escritura, no ano de 2005, e aquela procedida para fins de incidência de IPTU no ano de 2006. (…) (Apelação Cível Nº 70046893814, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Denise Oliveira Cezar, Julgado em 31/05/2012).
Posto isso, repisa-se, não se questiona a possibilidade de haver divergência entre os valores venais para fins de exação de IPTU e ITBI, mas sim a discrepância excessiva e injustificada entre eles, que frustra a expectativa de coerência mínima que se tem em relação aos atos administrativos, dotados que são de presunção de legitimidade.
Verifica-se, em ambos os casos observados, uma postura estatal que visa aumentar a arrecadação ao arrepio das normas constitucionais e legais, onerando ainda mais o contribuinte que já sofre com o peso da elevada carga tributária do país.
Caso o contribuinte se sinta lesado pela atividade fiscal, ele pode requerer administrativamente que o Município proceda à revisão do valor venal atribuído ao seu imóvel a fim de afastar eventual supervalorização. Nada impede, também, que a revisão se dê em sede judicial, sendo recomendado que o pedido seja instruído com avaliações mercadológicas elaboradas por corretores de imóveis que demonstrem, fundamentadamente, o verdadeiro valor de mercado do bem.
Busca-se, com isso, fazer com que a exação se dê em observância ao princípio da capacidade contributiva, insculpido no artigo 145, §1º da Constituição Federal, e que impõe a necessidade de que a base de cálculo do IPTU reflita o real valor econômico que o bem representa ao contribuinte.
[1] Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense. 11ª ed., 2003, p. 249.
[2] É defeso, ao Município, atualizar o IPTU, mediante decreto, em percentual superior ao índice oficial de correção monetária.
MARCELA NUNES DE OLIVEIRA
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