Falando sobre a responsabilidade das instituições financeiras: Elas, em regra, enquadram-se enquanto fornecedores, nos termos da legislação consumerista, em seu art. 3º, tendo em vista que têm como finalidades principais a comercialização de produtos e a prestação de serviços.
Não há dúvida, portanto, da caracterização das atividades bancárias como relações de consumo, principalmente no que diz respeito às transações bancárias e aos serviços colocados à disposição dos consumidores. Dito isto, havendo falha na prestação dos serviços bancários, é devida a reparação dos danos causados aos seus clientes por parte das instituições financeiras.
Não obstante, vale ressaltar que um terceiro, ainda que não tenha participado do vínculo consumerista, adquirindo qualquer produto ou contratando serviços, tendo sofrido alguma espécie de lesão, é protegido pelo Código de Defesa do Consumidor como se consumidor fosse, conforme seu artigo 17[1].
Neste ínterim, o art. 14, da Lei nº. 8.078/90, dispõe que o fornecedor de serviços ou produtos responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores pela falha na prestação dos serviços.
O serviço é considerado defeituoso quando não fornecer ao consumidor a segurança que dele poderia se esperar, consoante previsão do art. 14, §1º, do CDC:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:
I – o modo de seu fornecimento;
II – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;
III – a época em que foi fornecido.
Ademais, o dever de reparação vindicado também encontra esteio na legislação material civil, à estampa do que preconizam os artigos 186 e 927, parágrafo único, ambos do Código Civil, in verbis:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Assim, nos termos dos dispositivos acima mencionados, a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva, devendo este reparar os danos relativos aos defeitos na prestação do serviço, ainda que não haja culpa em sua conduta.
No âmbito das instituições financeiras, aplica-se a teoria do risco do negócio ou atividade, que é o pressuposto da responsabilidade objetiva prevista no Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil.
Com a teoria do risco, a responsabilidade desloca seu fundamento da noção de culpa, existente na responsabilidade subjetiva, para a ideia de risco (ou proveito), na qual a parte que se beneficiará com determinada atividade, passa a se responsabilizar pelos riscos daquele empreendimento.
Acerca do tema, ilustra Felipe Teixeira Neto:
Os elementos centrais do suporte fático da norma vêm alicerçados, pois, nos conceitos de atividade, assim considerada como “um conjunto de atos coordenados entre si e voltados a um fim, a um objetivo último”, e de risco, assim compreendido em termos alargados como a especial condição para acarretar a ocorrência de danos. E a fontes desse risco deverá decorrer, na dicção do próprio preceito legal, da natureza da atividade abstratamente considerada, ou seja, não do como como é exercida, mas da sua essência. (2017, p. 169)
A responsabilidade incide, então, nos casos em que a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem, ainda que não tenha concorrido de forma culposa para o dano. Por óbvio, o risco existente na atividade bancária, principalmente quanto à segurança em suas operações, é inerente à própria natureza da atividade exercida.
Sob esta ótica, ao disponibilizar os serviços bancários por meio eletrônico, por exemplo, os bancos assumem a responsabilidade de reparar os danos que decorram da falha de segurança do sistema. A obrigação de ofertar segurança às operações realizadas através da internet não é do consumidor, e sim da instituição financeira.
Em sua obra “Tratado de Responsabilidade Civil” colaciona Rui Stoco:
Se o fornecedor – usada a expressão em seu caráter genérico e polissêmico – se propõe a explorar atividade de risco, com prévio conhecimento da extensão desse risco; se o prestador de serviço dedica-se à tarefa de proporcionar segurança em um mundo em crise, com violenta exacerbação da atividade criminosa, sempre voltada para os delitos patrimoniais, há de responder pelos danos causados por defeitos verificados nessa prestação, independentemente de culpa, pois a responsabilidade decorre do só fato objetivo do serviço, e não da conduta subjetiva do agente. (2007, p. 142)
Desta forma, havendo uma fraude, ainda que esta tenha sido praticada por terceiros, resta evidenciada a falha da instituição financeira que não ofertou a segurança esperada de suas operações, tratando-se de fortuito interno quaisquer fraudes que ocorram nesse âmbito, como, v.g, o caso de adulteração em boletos bancários.
O teor da Súmula 479 do Superior Tribunal de Justiça confirma esse entendimento: “As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.”
No caso de fraude na emissão do boleto bancário, há responsabilidade objetiva por parte do banco, uma vez que este não se incumbiu de zelar e tomar as providências necessárias à segurança dos serviços prestados, principalmente quando estas ocorrem em seu sítio eletrônico.
Um golpe comum no âmbito virtual é a fraude de boletos bancários, também conhecido como Bolware, que consiste em vírus instalado no computador ou no sistema da instituição financeira, que altera os dados digitáveis do boleto bancário. Nessa fraude, há uma adulteração do código de barras e da conta recebedora da transação, de modo que, quando o consumidor realiza o pagamento, a quantia é transferida para terceiro estranho à relação[2].
Em compasso com a norma e com a doutrina construída acerca da matéria, a jurisprudência pátria caminha neste mesmo sentido, de que há responsabilidade objetiva da instituição bancária, ainda que a adulteração tenha sido cometida por terceiros. A fraude na emissão dos boletos enquadra-se, portanto, na hipótese de caso fortuito interno, porque é inerente à atividade que um banco exerce, estando dentro da margem de previsibilidade e do risco de sua atividade.
Como corolário lógico, havendo responsabilidade da Instituição Financeira, resta inequívoco o seu dever de indenizar os indivíduos que, ocasionalmente, forem lesados com o pagamento indevido de boleto fraudulento emitido por aquela.
Nestes casos, cabe às instituições financeiras indenizarem os consumidores que forem vítimas desses golpes pelas perdas e danos gerados, bem como, tomarem as providências para reforçar a segurança de suas operações e, eventualmente, perseguir os responsáveis pela fraude.
Assim, apesar de ser necessário que os consumidores, quando da emissão de boletos virtuais, verifiquem as informações e a correspondência entre o número indicado na cédula da fatura e o beneficiário da transação, o banco emitente responde pelas fraudes ocorridas neste âmbito, independentemente de culpa em sua conduta.
Diante do exposto, tendo em vista a responsabilidade objetiva dos bancos, existente um dano patrimonial em razão de fraude ocorrida no âmbito das transações bancárias, cabível o ajuizamento de ação em face da instituição financeira para a reparação do prejuízo suportado pelo consumidor.
LARA ABELHA DE ASSIS CRUZ
Saiba mais sobre a nossa atuação no campo do Direito Civil.
[1] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e jurisprudência. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
[2] TEIXEIRA NETO, Felipe. Responsabilidade Civil agravada pelo risco/perigo da atividade: um diálogo entre os sistemas jurídicos italiano e brasileiro. In: ROSENVALD, N; MILAGRES, M. Responsabilidade civil: novas tendências. Indaiatuba: Editora Foco Jurídico, 2017. p.163-173.
[1] Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
[2] Golpe com boleto bancário: conheça três fraudes comuns na Internet. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/listas/2018/10/golpe-com-boleto-bancario-conheca-tres-fraudes-comuns-na-internet.ghtml. Acesso em: 20 de mar. 2019.