A Constituição Federal de 1988, como é cediço, inovou no ordenamento pátrio prevendo de forma expressa a garantia da moralidade administrativa e determinando, ainda, em seu art. 37, § 4º, as sanções cabíveis a quem comete atos de improbidade administrativa.
Como forma de regulamentar o mandamento constitucional, como também é de conhecimento geral, foi promulgada a Lei nº. 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa (LIA), que trouxe maior abrangência para os atos de improbidade prescrevendo punição para ações que causem enriquecimento ilícito, causem dano ao erário ou que violem princípios administrativos.
Concebida em consonância com o dogma da indisponibilidade do interesse público, o diploma legal referido trazia em seu bojo, mais precisamente em seu art. 17, vedação expressa à realização de transação, acordo ou conciliação nas ações de improbidade.
Desde a gênese da lei, portanto, as ações manejadas em virtude da prática de atos considerados ímprobos exigiam para sua extinção a prolação de sentença definitiva de mérito, apesar da morosidade do judiciário e de todos os efeitos prematuros, porém negativamente marcantes para as partes processadas, independentemente da gravidade da conduta apurada. Acreditava-se que desta forma haveria a consecução do interesse público.
Nada obstante, nas últimas décadas o direito pátrio, seguindo tendência mundial, passou por significativa evolução caminhando cada vez mais para adoção dos meios alternativos de resolução de conflitos como forma de se alcançar uma justiça rápida e efetiva. A propósito, vale ressaltar que o atual Código de Processo Civil em vigor tem como traço distintivo a incorporação de mecanismos de autocomposição de conflitos.
Seguindo tal tendência, e em compasso com o movimento crescente de transformação do Ministério Público em um órgão moderno e resolutivo – que alcança seus objetivos institucionais de forma negociada, rápida e eficiente – importante novidade foi implementada no ordenamento pátrio, através de alteração trazida pela Lei 13.964/19 a possibilidade de realização acordo de não persecução cível, conforme nova redação dada ao Art. 17, § 1º, da Lei 8.429/92.
Importante frisar que a medida já havia sido implementada pela Resolução nº. 179/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público que, em seu art. 1º, parágrafos 2º e 3º, trouxe de forma expressa a possibilidade de celebração de compromisso de ajustamento de conduta nas hipóteses configuradoras de improbidade administrativa, podendo figurar como signatárias do ajustamento pessoas físicas ou jurídicas.
Ainda de forma expressa, assentou a Resolução citada, em seu art. 3º, a possibilidade de realização do compromisso de ajustamento de conduta tanto na fase investigativa, pré-processual, quanto no curso da ação judicial já instaurada. A propósito:
Art. 3º O compromisso de ajustamento de conduta será tomado em qualquer fase da investigação, nos autos de inquérito civil ou procedimento correlato, ou no curso da ação judicial, devendo conter obrigações certas, líquidas e exigíveis, salvo peculiaridades do caso concreto, e ser assinado pelo órgão do Ministério Público e pelo compromissário.
No âmbito do Estado de Minas Gerais, a aplicabilidade do instituto já havia sido, outrossim, regulamentada pela Resolução nº. 03/2017 do Conselho Superior Ministério Público de Minas Gerais que, em consonância com as premissas impostas pelo próprio CNMP, estabeleceu as seguintes condições para a celebração do compromisso (art. 3º):
Sem embargo das condições supra, o acordo de ajustamento de conduta deverá prever, necessariamente, uma ou mais das seguintes obrigações:
Como se vê, a pretexto de celebração do ajustamento de conduta não é dado ao Ministério Público realizar concessões que impliquem renúncia aos direitos ou interesses coletivos.
O campo negocial e a atuação da parte em conjunto com órgão ministerial, portanto, reside na interpretação do direito para o caso concreto, no estabelecimento consensual das condições mais adequadas para a compensação do ato tido como ímprobo, bem como na definição do modo, tempo e lugar do seu cumprimento, observados os limites impostos pela normatização de regência.
Sob a ótica do Ministério Público, a celebração do ajustamento proporciona, ainda, a consecução da sua missão institucional e a realização de uma justiça mais efetiva, célere e desburocratizada. Sob a ótica do compromissário, daquele a quem se imputa a prática de um ato ímprobo, permite a atuação efetiva na construção de uma solução consensual, evitando-se a instauração de eventual ação judicial ou mesmo minimizando os efeitos nocivos e sabidamente estigmatizantes desta, bem como de eventual condenação por improbidade administrativa.
No campo procedimental, destaca-se que a celebração do compromisso de ajustamento não guarda grande complexidade. A iniciativa para sua celebração caberá ao Ministério Público ou ao próprio responsável pelo ato tido por ilícito, que necessariamente deverá ser representado no ato por advogado regularmente constituído. A formalização do termo exige a forma escrita – configurando título executivo – e, sempre que possível, sua celebração deverá ser registrada também por meios audiovisuais.
Se firmado no âmbito de inquérito civil ou de procedimento preparatório, o compromisso de ajustamento deverá ser remetido para homologação do Conselho Superior do Ministério Público. Se entabulado na fase judicial, será submetido à homologação do juízo competente, sendo comunicado ao Conselho Superior do Ministério Público para fins de registro.
Por fim, vale frisar que a celebração do ajustamento de conduta não importa, automaticamente, reconhecimento de responsabilidade para outros fins que não os estabelecidos expressamente no termo, mas que também não afasta, necessariamente, a eventual responsabilidade administrativa ou penal pelo mesmo fato.
Em linhas gerais, essas são as informações principais para conhecimento da regulamentação pelo Ministério Público da possibilidade de celebração de compromisso de ajustamento de conduta também nas ações de improbidade administrativa, que, como soe ocorrer novidade normativa, se encontra sujeita às mais distintas discussões e interpretações oriundas da aplicabilidade prática.
De toda sorte, pode-se concluir que o arcabouço já existente, devidamente sedimentado pela alteração trazida pela Lei 13.964/19, representa importante evolução também do microssistema legal de combate aos atos lesivos ao patrimônio público e à moralidade administrativa no alcance de novas formas de resolução de conflitos, prestigiando-se a autocomposição e o acesso eficiente e resolutivo à justiça.
MOISÉS ARANTES DA SILVA
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