O que diz o Noco Código Civil sobre a prisão do devedor de pensão alimentícia?
Realidade no dia a dia de muitas famílias em nosso país e tema frequentemente debatido nas Varas Cíveis Brasil afora, a prestação de alimentos decorrente da relação familiar, comumente conhecida como pensão alimentícia, visa garantir a sobrevivência daqueles que necessitam da verba alimentar, possibilitando-lhes uma busca por uma vida mais digna.
A via judicial é diariamente sobrecarregada com ações que abarcam a discussão sobre o dever de arcar com débitos alimentares e, diante de sua suma importância, uma vez que a prestação é tida como satisfação necessária e urgente à dignidade da pessoa do alimentando, os tramites para sua concessão são mais céleres, sendo também mais severas as sanções àqueles que descumprirem a obrigação arbitrada.
Alinhado ao entendimento expresso no Código de Processo Civil de 2015, uma vez confirmada a obrigação de prestar alimentos e restando essa insatisfeita, existem distintos caminhos a serem seguidos para que a parte em mora seja compelida à arcar com sua responsabilidade de pagar os alimentos previamente estipulados em sentenças, decisões interlocutórias ou acordos extrajudiciais[1].
A lei 13.105/2015 estabelece que, sendo a obrigação alimentar reconhecida em decisão judicial, o caminho executivo a ser seguido é o cumprimento de sentença, previsto nos artigos 528 a 533 do NCPC, restando a utilização da via autônoma expressa nos artigos 911 a 913 do mesmo diploma legal à execução de títulos executivos extrajudiciais.
Assim, escolhida a possibilidade de executar o título judicial por meio da fase procedimental do cumprimento de sentença, nos moldes do art. 528, caput, do CPC, ou pela via de ação autônoma, nos termos do art. 911, o devedor de alimentos será intimado pessoalmente para pagar o débito em três dias, provar que o fez ou justificar sua impossibilidade de efetuá-lo.
O Código de Processo Civil prevê, tanto na hipótese de execução de título judicial (art. 528, §3º)[2] como extrajudicial (art. 911, §2º)[3], que diante da inadimplência para com a obrigação de prestar alimentos, poderá ser decretada a drástica medida da prisão civil. O processualista civil Daniel Amorim Assumpção Neves traz com brilhantismo e lucidez argumentos autorizadores de tal penosa sanção:
[…] essa é a dicção do inciso LXVII do art. 5.º da Carta Magna e do Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos), os quais somente admitem a prisão civil por dívida, se esta provier de obrigação alimentar. De mais a mais, os alimentos de Direito de Família são estimados de acordo com a possibilidade do alimentante e a necessidade do alimentado, de modo que, em princípio, o devedor tem condições de arcar com esses valores. Se não paga os alimentos, é porque está de má-fé, ao menos de modo presumido, o que torna razoável a coação extrema da prisão civil em prol da sobrevivência do alimentado.[4]
Destarte, necessário elucidar as hipóteses em que essa prisão civil por dívida alimentar decorrente de relação familiar poderá ocorrer. Evidente que diante da intimação do devedor de alimentos para o pagamento, este reconhecer o pedido e adimplir a obrigação, extinto estará o processo executivo e, consequentemente a possibilidade de prisão.
Outra forma de afastar a decretação da prisão é alegar e se desincumbir da prova de que já cumpriu suas obrigações alimentares, de forma que, acolhida a alegação, extinta restará a execução. Além disso, pode o devedor apresentar justificativa que indique de forma fundamentada as razões que o impossibilitaram de satisfazer o débito, sendo que, aceita pelo juízo, afastada estará a hipótese de prisão, uma vez que, nos termos do art. 5º, LXVII[5], da Constituição Federal, somente o inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia dão ensejo a possível encarceramento.
Lado outro, não havendo pagamento, não se justificando, ou ainda não se convencendo o juiz da justificativa, poderá ser decretada a prisão civil do devedor, a requerimento do credor de alimentos[6], que é vista pela doutrina e pela jurisprudência majoritária como uma forma de execução indireta, que busca pressionar o devedor ao cumprimento da obrigação.
Por ser medida de exceção, o § 7º do art. 528 do Novo CPC, seguindo entendimento da súmula 309 do Superior Tribunal de Justiça[7], confirmou que o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo, não sendo possível o requerimento de tal medida para discutir a cobrança de diferenças de pensões vencidas, ou para a cobrança de débitos antigos que ultrapassem o limite expresso no artigo supracitado.
Em compasso, as pacíficas decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
AGRAVO DE INSTRUMETO. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DÍVIDA ATUAL. MONTANTE ELEVADO. PRISÃO CIVIL. MANUTENÇÃO. DISCUSSÃO DA CAPACIDADE ECONÔMICA. IMPOSSIBILIDADE NA VIA EXECUTIVA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. Não comprovado o pagamento das parcelas atuais da obrigação alimentar, assim compreendidas as vencidas nos 03 (três) meses anteriores à propositura da ação executiva e aquelas que se vencerem no decorrer do processo, e ausente demonstração de impossibilidade absoluta de pagamento, impõe-se a manutenção do decreto prisional.
2. Conforme entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça, o montante da dívida, por si só, não torna ilegal a prisão.
3. Descabe discutir o binômio necessidade/possibilidade na via executiva, porquanto demanda ampla dilação probatória, devendo tal questão ser analisada em autos próprios, de revisão ou exoneração da obrigação alimentar. (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0024.11.220811-1/002, Relator(a): Des.(a) Bitencourt Marcondes, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 21/03/2017, publicação da súmula em 22/03/2017).
EMENTA: HABEAS CORPUS – PRISÃO CIVIL – EXECUÇÃO DE ALIMENTOS – DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO – AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL.
Não é cabível a revogação de mandado de prisão na hipótese de o executado não comprovar o adimplemento integral do valor judicialmente estabelecido, uma vez que, conforme entendimento sumulado pelo colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo (Súmula nº 309, STJ). (TJMG – Habeas Corpus Cível 1.0000.15.080247-8/000, Relator(a): Des.(a) Edilson Fernandes, 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 24/11/2015, publicação da súmula em 04/12/2015).
Quanto ao regime prisional de cumprimento da prisão decretada ao devedor de alimentos, esse sempre foi alvo de questionamentos na seara jurídica, todavia, o Novo Código de Processo Civil, levando em consideração a finalidade de medida, que não tem cunho satisfativo nem tampouco punitivo, sendo apenas um mecanismo de pressionar o devedor a pagar o débito, fixou no § 4º do art. 528 que o devedor deverá ficar recluso em regime fechado, separado dos presidiários comuns.
Crucial destacar que expedida pelo juiz a ordem de prisão e adimplido o débito, estará imediatamente suspenso, por meio de salvo conduto, o cumprimento da ordem de prisão[8] e, caso o devedor já se encontre preso, será imediatamente liberado após apresentação de alvará de soltura.
Questão que ainda chama atenção dos processualistas é o prazo máximo de cumprimento dessa modalidade de prisão, uma vez que o art. 528, § 3º do CPC estabeleceu o período de 1(um) a 3 (três) meses, e o art. 19 da lei 5.478/1962, Lei de Alimentos, ainda em vigor, fixa o prazo máximo de 60 dias. Diversas são as correntes doutrinárias que tentam solucionar o conflito, o que, entretanto, torna-se irrelevante tendo em vista que o prazo máximo de prisão será aquele que poderá suportar o devedor, sendo liberado imediatamente na hipótese do pagamento do valor devido que ensejou a aplicação da medida executiva indireta.
Necessário esclarecer, ainda, que por ser a prisão civil um mecanismo de fazer pressão psicológica no devedor para que esse cumpra sua obrigação, restringir a sua liberdade representa uma sanção de natureza personalíssima que claramente não pode recair sobre terceiro, conforme entendimento já fixado pelo Superior Tribunal de Justiça em decisão proferida em sede de Habeas Corpus[9].
Por fim, encerradas as breves considerações sobre o tema, há de se concluir o Código de Processo Civil de 2015 acertadamente tratou a prisão do devedor de alimentos decorrente de relação familiar com mais rigor, levando em consideração a importância dessa prestação para aqueles que dela necessitam e seu caráter urgente e essencial à garantia de uma vida pautada em condições mínimas de dignidade.
MEIRE DE SENA GONÇALVES
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Bibliografia
Curso de Direito Processual Civil: Execução – Vol.5 – Fredie Didier Júnior-7. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
Manual de Direito Processual Civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
Novo CPC endurece normas para devedores de alimentos – Manuelle Senra Colla – Publicado em 14 de fevereiro de 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-fev-14/manuelle-colla-cpc-endurece-normas-devedor-alimentos>.
[1] Para terem validade de título executivo extrajudicial, os acordos devem estar em conformidade com o expresso no art. 784, III, do CPC/15, abaixo transcrito:
Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
[…] III – o documento particular assinado pelo devedor e por 2 (duas) testemunhas;
[2] Art. 528, §3º do CPC: Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1o, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.
[3] Art. 911 do CPC: Na execução fundada em título executivo extrajudicial que contenha obrigação alimentar, o juiz mandará citar o executado para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento das parcelas anteriores ao início da execução e das que se vencerem no seu curso, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de fazê-lo.
Parágrafo único. Aplicam-se, no que couber, os §§ 2º a 7º do art. 528.
[4] Manual de direito processual civil – Volume único / Daniel Amorim Assumpção Neves – 8. ed. – Salvador: Ed. JusPodivm, 2016, p. 2216;
[5] Art. 5º, LXVII da Constituição Federal – não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;
[6] STJ, HC 128.229/SP; Rel. Min. Massami Uyeda; 3ª Turma; j. em 23.04.2009
[7] Súmula 309/STJ: “O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo”
[8] Art. 528, §6º, CPC/15: Paga a prestação alimentícia, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.
[9] STJ, HC 256.793/RN, rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma j. 1.º.10.2013.