Com o aumento da complexidade dentro das relações jurídicas e sociais a preocupação com a proteção do patrimônio se torna cada vez maior. Diante disto, verifica-se uma demanda considerável de pessoas buscando alternativas preventivas para salvaguardar seus bens e direitos, aperfeiçoar a gestão do patrimônio e evitar riscos e conflitos a médio e longo prazo.
Como ferramentas para satisfação deste intento tem-se o planejamento patrimonial e o planejamento sucessório, instrumentos que têm se popularizado e estão na agenda de prioridades daqueles que possuem grande patrimônio, mas também atende aos interesses de pessoas menos abastadas nas mais variadas classes econômicas.
Inicialmente, questiona-se o que exatamente é planejamento patrimonial e sucessório e a quem se destina. Planejamento patrimonial e planejamento sucessório podem ser entendidos como coisas diferentes, mas que se complementam e podem ser abordadas de forma integrada.
Como dito, sua utilização não se restringe àqueles que possuam patrimônio vultuoso ou várias empresas, suas vantagens podem ser percebidas por todos que queiram se planejar e garantir a preservação do patrimônio já conquistado e também por quem esteja no início desta construção através de novos empreendimentos, investimentos e também da constituição de família.
O planejamento patrimonial e sucessório envolve desde a eleição do regime de bens do casamento, passa pela estipulação de cláusulas restritivas sobre bens imóveis, chegando até à constituição de pessoas jurídicas controladoras do patrimônio como as holdings.
Uma questão bastante avançada no país, mas que ainda gera muitas dúvidas, é sobre os efeitos de certas formas de relacionamento. Um relacionamento afetivo duradouro que contenha certos elementos pode levar, por exemplo, à configuração de uma união estável e a reversão deste quadro dependerá de morosa e conflituosa discussão judicial.
Neste caso, o casal poderia ter se planejado previamente sobre os rumos da relação, através de um contrato que estabeleça prazos, regramentos e, principalmente, questões patrimoniais. A partir disto, é possível estabelecer a forma de constituição e condução do patrimônio, inclusive limitando as possibilidades de comunicação dos bens entre os companheiros.
Tanto para pessoas que desejem constituir uma união estável quanto para futuros casados, é essencial o estudo para a escolha do melhor regime de bens a adotar, não se rendendo a mitos ou tabus. Quanto ao ponto, uma possibilidade bastante interessante é o estabelecimento de um regime de bens misto, realizando um pacto antenupcial com cláusulas que combinem os regimes previstos em lei. Tal possibilidade é conferida aos nubentes pelo art. 1.639 do Código Civil e confirmada pelo Enunciado 331 da IV Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:
Art. “1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”.
“O estatuto patrimonial do casal pode ser definido por escolha de regime de bens distinto daqueles tipificados no Código Civil (art. 1.639 e parágrafo único do art. 1.640), e, para efeito de fiel observância do disposto no art. 1.528 do Código Civil, cumpre certificação a respeito, nos autos do processo de habilitação matrimonial.”
Por outro lado, já existindo uma situação patrimonial-familiar constituída, há que se pensar em formas de gerir e de proteger este patrimônio. Para tanto, existem opções mais conhecidas como a elaboração de testamento, contratos de doação, alteração de regime de bens no casamento, gravame de cláusulas restritivas, entre outros, mas uma alternativa cada vez mais procurada tem sido a constituição de uma holding familiar. Vejamos um pouco mais sobre o instituto.
Com o advento da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, conhecida como Lei das Sociedades por Ações, surgiram as holdings1, que são, em apertada síntese, uma empresa cujo objeto social tenha como atividade a participação como sócia ou acionista de outras sociedades, podendo também prever outras atividades empresárias, conquanto a essência seja sua atuação como controladora de outras sociedades.
Na obra Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos2, os autores asseveram que existe uma extensa classificação para a holding, embora não haja distinção legal, sendo a holding patrimonial e a holding familiar as mais utilizadas, diferenciando-as conceitualmente da seguinte forma:
A holding patrimonial tem por objetivo concentrar bens familiares e outros bens que possam ser geradores de renda. É nessa categoria que incluímos tanto a holding para bens de uso pessoal da família como a holding imobiliária para imóveis destinados à venda e à locação com otimização da tributação.
A holding familiar, por sua vez, tem por objetivo principal concentrar numa única empresa os diversos investimentos em outros negócios e empresas, criando, com isso, um ambiente adequado e separado para discussão e tomada de decisões no âmbito familiar e impedindo que divergências familiares ponham em risco o bom andamento das empresas operacionais.
Embora tratadas aqui separadamente, nada impede que todos esses objetivos se concentrem numa única empresa a depender das necessidades e conveniências de cada família.
Uma vez constituída a holding é possível, ainda, utilizar-se de outras ferramentas visando sua máxima eficiência, como a realização de doação de cotas/ações e a elaboração de acordo de acionistas (forma de contrato que estabelece regras, direitos e deveres dos acionistas e questões internas da empresa de forma geral).
Com relação a terceiros, tem-se uma maior proteção do patrimônio na medida em que se alcança uma segregação entre o patrimônio do sócio pessoa física e o patrimônio da pessoa jurídica. Este efeito é reconhecido como Princípio da Autonomia Patrimonial, consagrado, inclusive, pela recente inclusão do artigo 49-A no Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica:
Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.
Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.
Especificamente sobre a holding familiar, sua constituição cria “um local adequado para discussão e solução de conflitos societários e familiares, e alinhamento das diretrizes que serão adotadas para as empresas operacionais detidas pela holding. […] Nesse tipo de empresa, o patrimônio é composto basicamente por participações societárias em outras empresas, seja na forma de participação majoritária ou minoritária, deixando de fora o patrimônio particular dos sócios, que podem ser alocados a outra sociedade.”3
Uma boa gestão do patrimônio em vida torna-se essencial para uma partilha mais célere e amigável no momento da sucessão, valendo-se inclusive dos outros instrumentos jurídicos já mencionados como a elaboração de testamento e contratos de doação, inclusive com a possibilidade de gravame de cláusulas restritivas.
A preocupação com o planejamento é crescente e, segundo dados do Colégio Notarial do Brasil, houve um aumento de 41,7% no número de testamentos registrados em cartório no primeiro semestre de 2021 em comparação com o mesmo período do ano passado. Tal fato demonstra a expressiva relevância das medidas de planejamento.
É possível concluir, portanto, que o objetivo principal do planejamento patrimonial e sucessório é encontrar uma forma mais eficiente de gestão e proteção do patrimônio, reduzir a possibilidade de conflitos entre os familiares e garantir celeridade na sucessão por reduzir a chance de prolongamentos excessivos em inventários.
Além disto, um bom planejamento conta com a análise dos riscos e vantagens tributárias e financeiras nas transações, buscando a opção que melhor se adéqua às necessidades de cada grupo familiar.
O assunto ainda é envolto por alguns mitos, noções equivocadas sobre certos institutos e também pelo tabu social em se tratar da sucessão e, por consequência, do inevitável fim da vida. Por isso é importante que todas as decisões sejam juridicamente fundamentadas, esclarecendo-se todos os meios para os fins almejados para que se estabeleça a melhor estratégia de planejamento conforme o caso concreto.
Joice Luiza da Paixão
Advogada OAB/MG 201.964
Carmo & Arantes Advogados Associados
1. Sua criação é expressada pelo que dispõe o artigo 2º, §3º da referida lei: “A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.”
2. SILVA, David [et al.]. Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos. 1 ed. São Paulo: B18, 2018. p. 270
3. SILVA, David [et al.]. Planejamento Patrimonial: Família, Sucessão e Impostos. 1 ed. São Paulo: B18, 2018. p. 282