A denominada “Lei do Distrato”, Lei nº 13.786, de 27 de dezembro de 2018 altera artigos da Lei de Incorporação Imobiliária (Lei nº 4.591/64) e da Lei de Loteamentos (Lei nº 6.766/76), estabelecendo regramento para o inadimplemento desses contratos e atuando como marco legal para os contratos de alienação de imóveis “na planta”.
Preliminarmente, vital se torna a compreensão acerca do momento histórico em que se fez necessária a promulgação do novo ordenamento legal. O ramo da Construção Civil entrou em crise na última década, principalmente a partir do ano de 2015. Por este motivo, houve um crescimento no índice de registro de distratos de imóveis, ou seja, o famoso distrato imobiliário, que consiste no fenômeno da rescisão de um contrato de compra e venda de um imóvel antes da ocorrência da entrega do objeto contratual.
No mesmo contexto, os valores pactuados no momento da venda do imóvel vêm se tornando maiores – por vezes superiores ao real valor de mercado do bem -, e a quantidade de ações judiciais, discutindo as lides ocasionadas por essa problemática, também sofrem relevante aumento.
Nesse ínterim, buscando preencher as lacunas na legislação brasileira que tangem o setor imobiliário e fornecer maior segurança jurídica aos adquirentes e incorporadores, promulgou-se a nova Lei do Distrato, que altera as Leis de incorporação Imobiliária e da Lei de Parcelamento de Solo Urbano.
Os principais pontos alterados estão dispostos nos artigos 35-A, 43-A e 67-A a Lei 4.591/64 da Lei de Incorporação Imobiliária e alteram os artigos 26-A, 32-A, 34 §2º e 35 da Lei 6.766/79 da Lei de Parcelamento de Solo Urbano, incluindo pontos quanto à necessidade do quadro-resumo nos contratos de compra e venda, promessa ou cessão de imóvel; a anuência específica do adquirente; a nova disposição sobre prazos; o direito de arrependimento e a padronização referente ao percentual da multa, que serão brevemente pormenorizados adiante.
No que tange ao quadro-resumo, os contratos de alienação de imóveis “na planta” deverão conter as principais diretrizes, como preço total a ser pago pelo imóvel, parcelas e suas discriminações, índices de correção que serão utilizados, taxas de juros, prazo da entrega do imóvel, prazos de quitação do preço após a conclusão da obra, eventuais ônus que recaiam sobre o imóvel, informações sobre a possibilidade do direito de arrependimento, penalidades e ainda as consequências do desfazimento do contrato, nos moldes do art. 2º da Lei 13.786/18.
A lacuna de alguma informação, contudo, não ocasionará reflexos jurídicos de grande relevância, de forma que a única consequência imediata será o aditamento o contrato, para que no máximo em 30 dias, ocorra a complementação dos informes necessários, não ensejando a possibilidade de nulidade ou ineficácia de cláusulas contratuais. Contudo, na hipótese de não observância dessa complementação, haverá a possibilidade de rescisão contratual pelo adquirente do imóvel por justa causa, mediante devolução dos valores já pagos, sem que o incorporador tenha direito a qualquer retenção.
Ademais, com a nova legislação, se tornou obrigatória a assinatura do consumidor ao lado da cláusula contratual que relata as consequências do desfazimento do contrato, que deverão ser redigidas de forma clara e em consonância com as exigências do Código de Defesa do Consumidor. No caso de descumprimento dessa diretriz, como a falta da assinatura é prejudicial ao adquirente, vislumbra-se uma espécie de nulidade, nos moldes dos incisos VI e VII do art. 166 do CC.
Noutra senda, o direito de arrependimento também foi ponto relevante abordado de acordo com o texto expresso na nova Lei. Hodiernamente, nos casos em que os contratos forem celebrados em estandes de venda ou fora da sede do incorporador, o adquirente poderá desistir do contrato imotivadamente no prazo de sete dias, tendo o direito à devolução de todos os valores pagos, inclusive comissão de corretagem, mediante envio de carta registrada com Aviso de Recebimento (arts. 67-A, §§ 10 e 11, Lei nº 4.591/64).
Tais dispositivos devem ser analisados com maior cautela, à luz do Código de Defesa do Consumidor. Apesar do § 11º do art. 67-A da Lei nº 4.591/64 estabelecer a carta registrada com Aviso de Recebimento como meio de comunicação para o adquirente manifestar o direito de arrependimento, uma interpretação teológica do dispositivo permite a extensão de suas consequências para qualquer outro meio que garanta a ciência inequívoca do alienante.
Ademais, impende ressaltar que, embora a lei discorra sobre a necessidade da alienação do imóvel ocorrer fora da sede do incorporador para o exercício do direito de arrependimento, com prazo de sete dias, o mesmo direito permanecerá no caso das aquisições ocorrerem na própria sede, desde que a parte adquirente seja um consumidor, sob pena de promover o estímulo dos incorporadores em atrair os possíveis adquirentes para assinarem os contratos onde está situada a sede, e não nos estandes de vendas.
Salienta-se, oportunamente, que por analogia há de se estender esse direito para os casos de alienações de lotes, visto que o loteamento envolve o dever do loteador de realizar obras futuras, semelhante ao que ocorre na incorporação imobiliária.
Nesse ínterim, o direito de arrependimento de que tratam os §§ 10º e 11º da Lei nº 4.591/64, poderá ser aplicado por analogia aos casos de loteamento, admitindo manifestação por qualquer mecanismo de comunicação que propicie a ciência do incorporador e se tornando devido mesmo para casos de alienações feitas dentro da sede do incorporador, desde que o adquirente seja enquadrado no conceito de consumidor.
Outra relevante questão que a nova lei veio regulamentar, diz respeito aos prazos de entrega do imóvel e de tolerância no atraso da obra, que não poderão ser superiores a 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de multa, fato que anteriormente não contava com previsão legal expressa. Implementando-se referido lapso temporal, ao adquirente serão asseguradas duas opções: resolução do contrato, recebendo os valores quitados corrigidos e acrescidos da multa contratual estabelecida, no prazo de 60 (sessenta) dias contados da resolução; ou a manutenção contratual, situação em que lhe será assegurado o direito de receber 1% do valor pago à incorporadora para cada mês de atraso, a título de indenização, com a devida correção monetária prevista no contrato.
Vale explanar, também, quanto ao art. 67-A, § 2º, III, Lei nº 4.591/64, o qual dispõe que se o contrato vier a ser desfeito em momento posterior à entrega das chaves para o adquirente, este se tornará obrigado a pagar ao alienante um valor referente à fruição do imóvel, que corresponderá ao percentual de 0,5% do valor atualizado do imóvel. Esse valor de fruição do imóvel será devido independentemente de o desfazimento do contrato ter ocorrido ou não por culpa do próprio alienante, sob fundamento da vedação do enriquecimento sem causa.
De acordo com a fundamentação jurídica posta acima, apesar do silêncio da Lei, na situação de ruptura contratual, o alienante também deverá sofrer o encargo relativo à fruição da contraprestação recebida. Em suma, não importa qual parte tenha sido causadora da extinção contratual, tanto o adquirente deverá pagar um valor pela fruição da prestação que recebeu – o imóvel -, como terá o direito de cobrar do alienante o valor de fruição sobre o dinheiro pago, situação em que deverá ser aplicado também o percentual de 0,5% a.m. do valor, por analogia ao § 2º do art. 67-A.
De vital importância ressaltar, em relação à Lei de Parcelamento do Solo Urbano, que as exigências explanadas acerca do quadro-resumo são as mesmas das previstas na Lei de Incorporação Imobiliária, tal como a relação clara das informações contratuais, como o abordado em relação às assinaturas e as consequências do desfazimento contratual, devendo ser tratada com os mesmos fundamentos.
Noutro giro, necessário pormenorizar a questão referente à possibilidade de retenção parcial do valor pago pelo comprador pelas empresas do setor imobiliário na hipótese de rescisão contratual. Até a promulgação desta multicitada Lei, não havia legislação específica regulamentando este ponto, assim, a retenção era definida de acordo com o caso concreto e com a decisão fundamentada dos juízes, variando entre 10% e 25% do valor pago, na maioria das situações. Ou seja, no caso da ocorrência do distrato, a incorporadora ficava com o valor pago pelo adquirente na margem desses valores, correspondendo ao percentual da multa.
Com a promulgação da nova lei, o percentual do valor de retenção pela empresa imobiliária deve observar os percentuais expressos no texto legal. Hodiernamente, quando o consumidor decidir realizar o distrato imobiliário, ou seja, desfazer a aquisição do imóvel ainda na planta, a retenção será de 25% do valor pago até então. Ademais, no caso do imóvel encontrar-se sob o regime de patrimônio de afetação, ou seja, quando a construtora reserva parte do seu patrimônio para garantir que a obra seja concluída, a retenção será de 50% sobre o valor pago, abatido eventual valor referente a corretagem.
Em relação ao campo de atuação da nova lei, esta só será aplicada nos contratos firmados posteriormente à sua vigência. Ou seja, estamos diante do quadro de irretroatividade das leis.
De acordo com as explanações acima, conclui-se que há pontos positivos e negativos em relação ao novo ordenamento sobre o distrato imobiliário. Sob análise de uma vertente, vislumbra-se a maior segurança jurídica e consequente melhora na situação financeira das empresas do ramo imobiliário, que se encorajarão a investir e expandir seus negócios. Em contrapartida há o endurecimento acerca das regras para o consumidor. Contudo, a relação de compra e venda de imóveis tende a se tornar mais fortalecida, porquanto desestimulará a desistência e proporcionará um aumento da confiança entre as partes da relação contratual.
É certo que as inovações e modificações trazidas pela Lei 13.786/2018 para o distrato imobiliário ainda serão objeto de amplo debate em nossos tribunais, sendo possível vislumbrar possível interpretação jurisprudencial tendente à flexibilização dos dispositivos legais para assegurar proteção aos consumidores, parte mais vulnerável da relação contratual, assomando em importância a assistência jurídica preventiva às partes – construtores e consumidores – para que a relação contratual se desenvolva em perfeito equilíbrio.
PRISCILA PANSANI RODRIGUES
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