Conforme regra geral prevista no art. 1.658, do Código Civil, no regime da comunhão parcial de bens comunicam-se, é dizer, partilham-se entre os cônjuges, todos os bens (móveis e imóveis) adquiridos na constância da relação conjugal.
O próprio diploma legal citado, contudo, excepciona a regra nele contida trazendo as hipóteses de incomunicabilidade, excluindo-se da partilha entre os cônjuges, ao término do vínculo matrimonial, os bens, direitos e obrigações relacionadas nos incisos do seu art. 1.659, transcritos para melhor compreensão do tema:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;
II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III – as obrigações anteriores ao casamento;
IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Ao escopo do presente artigo interessam as exceções previstas no inc. I e II do artigo citado e, em especial, a prova da ocorrência da sub-rogação, que, tal como as demais hipóteses acima descritas, fará com que determinado bem, direito ou obrigação seja excluído do monte partilhável do casal.
Sub-rogação, em termos simplificados, consiste no ato de substituir uma pessoa ou coisa por outra. Bens sub-rogados, portanto, atentando-se para o dispositivo legal citado, são aqueles adquiridos por um dos cônjuges na constância do matrimônio em substituição aos bens que já possuía antes da constituição do casamento, ou adquiridos com recursos exclusivos, também anteriores à celebração do vínculo.
Seja em sede doutrinária ou jurisprudencial, não há qualquer dúvida quanto a exclusão dos bens sub-rogados do acervo comum do casal.
Bens adquiridos por um dos cônjuges na constância do casamento, mas através de recursos ou patrimônio pretérito ao vínculo não devem ser partilhados ao cabo da relação. O bem adquirido por um cônjuge em substituição a bem particular deste reveste-se da mesma característica que no regime da comunhão parcial protege o bem individual da meação, qual seja, a incomunicabilidade.
A propósito, a lição de Fabrício Zamprogna Matiello:
“Quando um dos cônjuges retira do seu patrimônio individual determinado bem, e, com valores que exclusivamente lhe pertencem, faz inserir naquela lacuna outro item patrimonial, este último passa à condição de incomunicável, em substituição ao alienado”.
Em compasso, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
DIVÓRCIO – CASAMENTO – REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL – BENS ADQUIRIDOS EM SUB-ROGAÇÃO DE BENS PARTICULARES – PARTILHA – IMPOSSIBILIDADE. – No regime de comunhão parcial, excluem-se os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges, em sub-rogação dos bens particulares, nos termos do artigo 1.659, I, do Código Civil. – Recurso desprovido. (TJMG – Apelação Cível 1.0027.11.002526-2/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Andrade , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/07/2013, publicação da súmula em 10/07/2013) (grifado)
A controvérsia ou dificuldade que gravita em torno do tema reside na aplicabilidade prática do instituto, ou, noutros termos, na demonstração concreta da existência do bem sub-rogado, competindo ao cônjuge que pretende o seu reconhecimento a demonstração inequívoca da sua ocorrência.
Com efeito, por força da regra geral aplicável ao regime da comunhão parcial de bens, por imperativo da presunção legal de que a aquisição de bens pelo casal na constância do matrimônio é fruto do esforço comum, o reconhecimento da sub-rogação e a consequente exclusão do bem do acervo partilhável reclama prova extreme de dúvida de que, de fato, houve mera substituição de bens no patrimônio individual do cônjuge, sem que nisso se possa perceber a contribuição econômica efetiva ou presumida do consorte na consecução operação.
A lei, entretanto, é silente quanto à forma de demonstração da ocorrência da sub-rogação, o que apenas acentua a discussão acerca da configuração e identificação do instituto.
Diversas situações se afiguram na prática. A demonstração documental da celebração de permuta imobiliária pura e simples, por exemplo, permite a identificação mais clara da sub-rogação. Por outro lado, a venda de um imóvel particular do cônjuge e a posterior aquisição de outro de valor superior, na constância do matrimônio, torna mais complexa e espinhosa a comprovação de que se trata de mera substituição patrimonial.
A demonstração do trânsito do dinheiro empregado na negociação, a imediaticidade da transação e os indícios residuais do negócio, como promessas de compra e venda e outros contratos escritos, poderão, conforme as circunstâncias do caso, conferir base à alegação de incomunicabilidade por força da sub-rogação, não impedindo, contudo, o estabelecimento da controvérsia e de renhida disputa judicial entre o casal.
Para que não sobrepaire dúvidas a respeito, assentam a doutrina e a jurisprudência pátria que a sub-rogação deve constar expressamente no título aquisitivo do novo bem pelo cônjuge. Sendo ele imóvel, por exemplo, recomenda-se que se faça constar na escritura de compra e venda cláusula de sub-rogação, indicando ter sido o novo bem adquirido com recursos exclusivos e incomunicáveis do cônjuge.
Nesse sentido, o escólio de Sílvio de Salvo Venosa:
“Os bens que substituem os bens particulares, os que a lei se refere como sub-rogados, também se excluem da comunhão. Para que se aplique o dispositivo, é necessário que o cônjuge ressalve essa sub-rogação no título aquisitivo e prove que de fato um bem substitui outro”.
Conquanto não seja uma imposição legal para o reconhecimento do instituto, a referida menção no título aquisitivo do imóvel, declarando-se, com a expressa anuência do outro cônjuge, de que o ato foi praticado em consonância com a previsão do art. 1659, inc. I ou II do Código Civil, configura prova pré-constituída da sub-rogação – talvez a única a ostentar tal característica, assegurando-se a exclusão do bem da comunhão.
Sem a pretensão de se esgotar o tema, conclui-se, então, que o reconhecimento da sub-rogação no regime da comunhão parcial de bens conjugais como exceção à regra da comunicabilidade, embora tenha assento legal, reclama demonstração concreta e inequívoca que a prática demonstra não ser de fácil alcance, afigurando-se como principal forma de se assegurar a proteção do bem adquirido pelo cônjuge em substituição a recurso ou patrimônio exclusivo, a referência expressa no título aquisitivo do bem de que a compra se deu em sub-rogação a bem particular.
MOISÉS ARANTES DA SILVA
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