O erro médico é um defeito na prestação do serviço de saúde que venha a causar dano ao paciente. Apesar do nome, ele não é cometido exclusivamente por um médico, pode decorrer da atuação de outros profissionais como enfermeiros, dentistas, nutricionistas ou até mesmo da administração do ambiente hospitalar.
A evolução do direito, da medicina e, principalmente, da relação médico-paciente, atribuiu contornos específicos à responsabilidade civil destes profissionais. Isto porque, nos primórdios, a arte da cura era atribuída a entidades divinas, sendo os médicos considerados meros instrumentos daquelas.
A evolução da ciência e das relações sociais criou, ainda no final do século passado, a figura do médico da família, profissional que gozava da irrestrita confiança das famílias, detentor de conhecimentos inquestionáveis.
Em tais períodos, sequer se cogitava a possibilidade de se discutir a conduta médica. É o que pondera o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Júnior, citando o inexorável jurista Miguel Reale:
“Durante muitos séculos, a sua função esteve revestida de caráter religioso e mágico, atribuindo-se aos desígnios de Deus a saúde e a morte. Je le soignais, Dieu le guérit… s’il le jugeait opportun[1].
Nesse contexto, desarrazoado responsabilizar o médico, que apenas participava de um ritual, talvez útil, mas dependente exclusivamente da vontade divina. Mais recentemente, no final do século passado, primórdios deste, o médico era visto como um profissional cujo título lhe garantia a onisciência, médico da família, amigo e conselheiro, figura de uma relação social que não admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços, e, menos ainda, a litigância sobre eles. O ato médico se resumia na relação entre uma confiança (a do cliente) e uma consciência (a do médico) (MIGUEL REALE, “Código de Ética Médica”, RT 503/47).”[2].
Atualmente, porém, as circunstâncias e características que revestem a relação do médico com seu paciente estão totalmente alteradas.
Com o tempo, as relações sociais se modificaram e massificaram, distanciando o médico do seu paciente. Especialmente nos grandes centros urbanos, os médicos, na visão dos seus pacientes, se tornaram meros prestadores de serviço de quem se exige qualidade no serviço e, diante da mera suspeita de erro na condução do tratamento, vultuosas indenizações.
Nada obstante, é certo que o direito à reparação civil deve ser respaldado por sólidos fundamentos, de forma que o instituto não seja banalizado. Para tanto, revela-se imprescindível que se verifique no caso concreto a existência dos indispensáveis requisitos para a sua concessão.
Tratando-se, de maneira genérica, da reparação civil é sabido que o referido direito encontra esteio no código civil brasileiro, especificamente na combinação dos arts. 186 e 187 com o art. 927.
A harmonia entre os referenciados dispositivos preconiza que o responsável por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que viole direito de terceiro, causando-lhe dano, ainda que exclusivamente moral, fica obrigado a repará-lo. Para conforto do exposto, vejamos a literalidade dos citados dispositivos:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Em se tratando, contudo, da reparação civil decorrente de relação médico-paciente, acresce-se aos fundamentos genéricos da responsabilidade civil o disposto no art. 951 do Código Civil e as prescrições do Código de Defesa do Consumidor, mormente as regras previstas nos arts. 14, § 4º e art. 17 do referido diploma, segundo as quais a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa, equiparando-se aos consumidores, todas as vítimas do evento.
Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.
Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
§4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Resta consagrada, por conseguinte, na legislação nacional a regra da responsabilidade subjetiva para a apuração do direito à indenização em decorrência de erro médico, verificada no caso concreto a partir da constatação dos pressupostos da culpa, a saber: imprudência, imperícia e negligência.
Poderá ser responsabilizado, portanto, apenas o médico que na consecução dos seus serviços profissionais agir com culpa em sentido estrito – imprudência, imperícia ou negligência – deixando de cumprir com as suas obrigações, estas sabidamente de meio, não atreladas ao resultado final. É o que pondera Humberto Theodoro Júnior:
“O contrato de prestação de serviços médicos provoca obrigação tipicamente de meio e não de resultado. É claro que paciente e facultativo têm um objetivo comum: a busca da cura do enfermo. Mas a ciência médica e a própria natureza do paciente não permitem garantir que essa meta seja assegurada. Ambos se empenharão na tarefa de perseguir esse objetivo, porém sem a certeza de poderem alcançá-lo.
A prestação contratual do médico, então, cinge-se a pôr seus conhecimentos técnicos à disposição do paciente, desempenhando-os com zelo e adequação. Se cumpre tal prestação, o contrato terá sido cumprido, malgrado o insucesso do tratamento, no tocante à meta de curar ou salvar o doente”[3]. [grifado].
Nesse passo, imprescindível a análise das obrigações profissionais dos médicos, atreladas às diversas modalidades de culpa. Nesse comenos, novamente citamos Humberto Theodoro Júnior:
“A culpa que se apura no processo de indenização por dano de responsabilidade médica, além do dolo (vontade criminosa de lesar), compreende as formas de negligência, imprudência e imperícia.
Pela negligência, a culpa equivale a uma conduta passiva (omissiva). Ocorre quando o médico deixa de observar medidas e precauções necessárias.
(…)
Ocorre a imprudência por meio de atitude ativa (comissiva), praticada quando o médico “toma atitudes não justificadas, precipitadas, sem usar de nenhuma cautela” (MAGALHÃES, T. A. Lopes de. Op. cit., p. 315).
(…)
Dá-se a imperícia quando o causador do dano revela, em sua atitude profissional, “falta de conhecimento técnico da profissão” (MAGALHÃES, T. A. Lopes de. Op. cit., p. 316) ou “deficiência de tais conhecimentos” (KFOURI NETO. Op. cit., 5.4.3, p. 77)”[4].
Imprescindível, portanto, para a configuração do dever de indenizar a conjunção de três pressupostos, quais sejam, o ato ilícito – comissivo ou omissivo e que configure imprudência, imperícia ou negligência –, o resultado lesivo (dano) e o nexo de causalidade que os vincule. Ausente qualquer deles, não há que se falar em condenação do profissional.
Dessa forma, para que se mantenha afastado de processos judiciais indenizatórios, deve o médico exercer a sua profissão com extremo zelo, observar todas as precauções determinadas pela ciência a que se dedica, manter-se atualizado em relação às consagradas técnicas médicas e aplicá-las sempre que se fizer necessário e, ainda, ser cauteloso jamais adotando conduta precipitada e injustificada.
Faz-se também necessário, no atual cenário da relação médico-paciente, que procure o facultativo estabelecer o vínculo de confiança com o paciente, tudo para que eventuais dúvidas ou meras suspeitas não rendam ensejo a intermináveis ações de indenização.
BRUNO PENA DO CARMO
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[1] Tradução literal do francês para o português: “Eu amamentei, Deus o curou … se ele for considerado adequado”.
[2] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Responsabilidade civil do médico. Disponível em: <http://www.iobonlinejuridico.com.br>. Acesso em: 31.3.2010.
[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Responsabilidade civil por erro médico. Disponível em: <http://www.iobonlinejuridico.com.br>. Acesso em: 31.3.2010.
[4] Op cit in nº 4.