Como se sabe, em procedimentos licitatórios, por força de previsões contidas Lei nº. 8.666/93 e na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº. 14.133/2021[1], é imperiosa a existência de um orçamento detalhado por meio de planilhas contendo a discriminação dos custos unitários do objeto licitado.
A planilha de custos funciona como parâmetro para que a Administração efetue uma contratação segura e exequível. Possui importância manifesta na fase interna da licitação, já que através dela a Administração saberá quanto vai pagar ou qual a média de mercado dos itens que pretende contratar, e também na fase externa, em especial na etapa de execução do contrato propriamente dita, quando se monstra essencial, por exemplo, para o equacionamento das alterações contratuais, como ocorre nos casos de reequilíbrio econômico financeiro do contrato.
Também como é cediço, o grau de detalhamento da planilha em referência oscila conforme a natureza dos serviços contratados.
Em regra, impõe-se à Administração o dever de detalhar, com o maior grau possível, a composição dos serviços que contratará junto a particulares, descrevendo todos seus componentes e insumos unitários. Planilhas detalhadas são exigências factíveis – e necessárias, em contratos cuja execução demande mão de obra em regime de dedicação exclusiva e em contratos de execução de obras e serviços de engenharia, por exemplo.
Por outro lado, serviços que eventualmente não admitem, ou que tornam dispensável a decomposição dos custos de execução, ou mesmo que não consideram os custos das unidades que compõem o serviço, tornam dispensável essa exigência.
Para o presente estudo importa a prestação de serviços típicos, mensuráveis por resultados, nos quais não há a dedicação ou o fornecimento de mão de obra, como, v.g, os serviços técnicos em tecnologia da informação. Interessa, mais especificamente, a natureza e a relação da referida planilha nesses casos com os custos efetivamente suportados pelo particular na execução dos contratos administrativos.
Os valores e quantitativos lançados na planilha de custos na fase licitatória vinculam a proponente durante a fase de execução do contrato?
Tratando-se da prestação de serviços típicos, com o modelo de execução baseado em resultados conforme métricas pré-definidas, ou seja, sem a colação de pessoal à disposição da Administração e pagamento por horas trabalhadas, a planilha de custos apresentadas pela licitante possui caráter meramente referencial ou orientativo.
Em contratações desta natureza, é dizer, sem o fornecimento de mão de obra, a Administração se compromete a adimplir determinado valor como contrapartida à prestação de um serviço certo e determinado, e não pela cessão de pessoal. A obrigação da contratada, a seu turno, cinge-se à prestação regular e pontual dos serviços licitados, ao atendimento da demanda apresentada pelo ente contratante.
Importa para a Administração, pois, apenas a capacidade da contratada executar os serviços licitados dentro das exigências quantitativas e qualitativamente estabelecidas.
Nesse cenário, os custos e quantitativos informados pela licitante em sua planilha devem ser vistos apenas como estimativas apresentadas na fase competitiva, não ostentando caráter vinculante. Apesar de se afigurar como ferramental útil para análise do preço global ofertado, bem como para aferição da exequibilidade da proposta, a planilha de custos não constitui indicativo de serviços unitários a serem pagos de acordo com a execução contratual, como ocorre, por exemplo, nos contratos de fornecimento de mão de obra ou de execução de obra pública.
Por consequência, eventuais divergências entre valores e quantitativos lançados na planilha de custos e aqueles efetivamente suportados pelo particular no curso da execução contratual não sufraga a alteração dos preços contratados.
É o que se passa, mantendo-se o exemplo anteriormente dado, com a indicação do número de funcionários necessários para o atendimento da demanda de determinado serviços de TI estimada pela Administração, que se revela, no desenrolar contratual, aquém ou além do necessário para cumprimento do seu escopo.
No momento da elaboração da planilha de custos é apresentado um efetivo profissional que durante o curso do contrato sofre alterações por múltiplos fatores, como o constante aprimoramento técnico dos profissionais alocados pela contratada, o que acaba por proporcionar o desempenho da mesma tarefa com um efetivo menor.
Lado outro, variações e o implemento de inovações tecnológicas ao longo do contrato podem dificultar o cumprimento do seu objeto, exigindo da contratada a alocação de funcionários até mesmo superior àquele estimado na fase licitatória, aumentando o seu encargo e reduzindo o seu lucro.
São circunstâncias, contudo, que se inserem dentro do risco ou da álea contratual e que, considerando a natureza dos serviços contratados, não autorizam a alteração dos preços contratados.
Entendimento diverso militaria contrariamente à própria adoção pela contratada de meios mais efetivos para cumprimento dos escopos contratuais, em detrimento da almejada e preconizada consecução do interesse púbico.
O caráter apenas referencial dos quantitativos e encargos da planilha de custos é assentado pelo próprio Tribunal de Contas da União (TCU), conforme se depreende dos acórdãos a seguir transcritos:
“Não é demais lembrar que a Administração não pagará diretamente pelos encargos trabalhistas indicados na planilha, pois são eles de responsabilidade da contratada. Não interessa para a contratante, por exemplo, se em determinado mês a contratada está tendo gastos adicionais porque muitos empregados estão em gozo de férias ou não. À contratante interessa que haja a prestação de serviços de acordo com o pactuado. Ou seja, a planilha de formação de custos de mão de obra constitui um útil ferramental para a análise do preço global ofertado, mas não constitui em indicativos de serviços unitários a serem pagos de acordo com a sua execução, como quando ocorre com os serviços indicados no projeto básico de uma obra pública, os quais são pagos de acordo com o fornecimento de cada item unitário.
Aliás, nem poderia ser diferente, pois a contratação prevê um pagamento fixo mensal e os valores dos encargos trabalhistas indicados estão sujeitos a variações que escapam ao controle das partes contratantes (v. g., aviso prévio indenizado, auxílio doença, faltas legais, licença maternidade/paternidade, faltas legais, etc.). Desta forma, os valores correspondentes aos encargos são meras estimativas apresentadas pela licitante, de forma que eventuais divergências entre o apresentado e o efetivamente ocorrido devem ser considerados como inerentes aos riscos do negócio, impactando positivamente ou negativamente sobre o lucro da contratada.” (Acórdão nº. 4.621 0 – 2ª Câmara. Ministro BENJAMIN ZYMLER. Brasília, 01 de setembro de 2009) (grifado)
“[…] não tem como causa, porém, a futura vinculação dos preços unitários ofertados àqueles que serão efetivamente pagos pelas contratadas a seus fornecedores e prestadores de serviços. Nem o edital nem os termos de contrato criaram essa vinculação. Tanto que se for verificada uma oscilação do preço dos insumos que for considerada usual ou dentro de uma álea ordinária, o contratado seguirá sendo obrigado a prestar os serviços na forma e preços pactuados, sem direito a indenizações ou aumentos de valores, salvo pelo reajuste anual a que se refere o art. 40, XI, da Lei de Licitações.” (Acórdão nº. 2.215/2013, Ministro WALTON ALENCAR RODRIGUES. Brasília, 22 de agosto de 2012) (grifado);
“[…] 33. Ad argumentandum, ao examinar contratações de serviços cujo regime de execução seja empreitada por preço global ou a empreitada por preço unitário, não é lícito pinçar um ou mais itens de custo isoladamente, qualifica-los como excessivos ou irregulares e determinar providências para ressarcimento, sob pena de se alterar indevidamente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Para concluir pela ocorrência de dano ao erário, é mister examinar o preço total do contrato (empreitada por preço global) ou preço unitário de medida adotada (empreitada por preço unitário) e compara-lo com valores praticados no mercado. 34. Em situações desse jaez, não se justificam glosas efetuadas única e exclusivamente pela falta de correspondência entre os custos reais envolvidos na execução da avença os custos de itens informados no certame que lhe deu origem, uma vez que tais custos foram, a época, apenas estimados”. (grifado) (Acórdão nº. 738/2015, Ministro WALTON ALENCAR RODRIGUES. Brasília, 22 de agosto de 2012)
No mesmo sentido, é o entendimento dos tribunais judicantes:
ADMINISTRAÇÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. MODIFICAÇÃO UNILATERAL DO PREÇO AVENÇADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Depois de findo o processo licitatório, firmado o contrato e iniciada a execução de seu objeto, a Administração não pode modificar unilateralmente o preço avençado, excetuada as hipóteses previstas em lei; 2. É nula, portanto, a ordem de recebimento expedida pelo INSS em desfavor da autora, sob o argumento de que os valores acertados em contrato firmado ao final de processo licitatório (sob o regime de empreitada por menor preço global) deveriam ser reduzidos, em razão de inconsistências que teriam sido encontradas em planilhas de composição de custos apresentadas quando da proposta; 3. Remessa oficial improvida. (TRF-5. Apelação nº. 200383000131200. Rel. Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima. DJE 23 de abril de 2010 p. 362) (grifado)
“Em sendo assim, não vislumbro irregularidades na conduta da agravante, uma vez que é lícito ao empresário estipular, em sua proposta, um determinado valor a título de custos com salários e, no momento de executar o contrato, com a mudança das condições do mercado, reduzir suas expectativas de gastos com contratações de menor poder salarial, aumentando, assim, sua margem inicial idealizada de lucro. Logo, no âmbito do contrato de prestação de serviços, não cabe à DATAPREV tecer considerações sobre o valor dos salários dos empregados, se estes estiverem sendo pagos de acordo com o patamar mínimo exigido pela convenção coletiva da categoria, limitando sua atenção ao atendimento dos serviços, bem como dos prazos contratados.” (TRF-2. AI nº. 0011087-09.2010.4.02.0000. Rel. Juiz Federal Convocado RICARDO PERLINGEIRO. Rio de Janeiro 07 de fevereiro de 2012. E-DJF2R 29 de fevereiro de 2012 p.100-110) (grifado)
Portanto, e rememorando a premissa central do presente artigo, que cuida da contração de serviços que não envolvam o fornecimento ou dedicação de mão de obra, pode-se afirmar o caráter apenas referencial dos quantitativos e encargos da planilha de custos, não vinculados aos custos efetivamente suportados na execução do objeto contratado, de sorte que eventual divergência verificada não autoriza a alteração dos preços contratados.
Moisés Arantes da Silva
Advogado OAB/MG 126.380
Carmo & Arantes Advogados Associados
[1]A nova Lei de Licitações entrou em vigor em 01/04/21, porém, por força de previsão expressa contida em seu art. 193, inc. II, a revogação da Lei nº. 8.666/93, só ocorrerá após decorridos 2 (dois) anos da sua publicação oficial.