O desenvolvimento desenfreado da humanidade e as consequentes ilimitadas agressões produzidas pelo homem ao meio ambiente fez necessário o surgimento de regras que, para o próprio bem da sociedade, assegurassem o uso consciente dos recursos naturais e, por conseguinte, a perenidade da existência humana neste planeta.
Com efeito, sob os auspícios do conceito de ‘desenvolvimento sustentável’, surgiu o direito ambiental, ciência essencialmente humana, cujo incontroverso objetivo é garantir o progresso humano contínuo em condições ambientais que permitam às futuras gerações a possibilidade de atenderem às suas próprias necessidades.
Há que se ressaltar, contudo, que não há lugar para radicalismos no direito ambiental, porquanto forjado na necessidade humana de se compatibilizar o progresso com a preservação do meio ambiente.
Quer isto dizer que o antropocentrismo – o homem como o centro do universo – pode conduzir ao uso não sustentável dos recursos naturais e, por consequência, à inviabilidade da vida humana na terra. Lado outro, o ecocentrismo – o meio ambiente como centro do universo – com a imposição da preservação dos recursos naturais como obstáculo intransponível ao desenvolvimento, também determinará o perecimento da raça humana.
Assim, a aparente antinomia propositadamente existente na expressão ‘desenvolvimento sustentável’ nada mais representa do que a necessidade de se contrabalancear o progresso humano com a preservação de condições ambientais favoráveis para as futuras gerações.
Aliás, segundo o precursor do direito ambiental brasileiro, Édis Milaré, adotado como meta a ser buscada por todas as nações na Declaração do Rio e na Agenda 21:
“O desenvolvimento sustentável é definido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento como ‘aquele que atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias necessidades’, podendo também ser empregado com o significado de ‘melhorar a qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas’” [1].
É da essência do direito ambiental, portanto, a harmonização do meio ambiente com o progresso humano, o que significa dizer, segundo a lição do inexorável Milaré: “que a política ambiental não deve significar obstáculo ao desenvolvimento, mas, sim, um de seus instrumentos, ao propiciar a gestão racional dos recursos naturais, que constituem a base material do progresso humano.” [1].
Expressão emblemática da compatibilização entre o desenvolvimento e sustentabilidade e dos instrumentos da política ambiental no direito ambiental brasileiro são os espaços territoriais especialmente protegidos, tais como as Áreas de Preservação Permanente (APP), que são espaços territoriais a que a lei empresta proteção jurídica em razão das suas características ambientais relevantes.
Nos termos da legislação de regência, referida proteção jurídica se dá através da limitação ao direito de propriedade imposta pelo legislador, abstratamente, sobre espaços territoriais que se enquadrem no conceito legal de área de preservação permanente.
Ante às suas características – imposição de obrigação de não fazer; aplicação de caráter geral; são inindenizáveis; visando a conciliação entre o direito público e privado só vão até onde exija a necessidade administrativa [2] e [3]– as áreas de preservação permanente, segundo a melhor doutrina e jurisprudência, possuem natureza jurídica de limitação administrativa ao direito de propriedade.
Como tal, as APPs impõem apenas restrição ao uso da propriedade, mas não desapossamento, daí porque, inclusive, não geram direito a indenização.
Não se confunde, por conseguinte, limitação administrativa e desapropriação, porquanto aquela impõe restrição genérica e abstrata ao direito de propriedade sem, contudo, importar transferência de propriedade como nesta.
Traduzem as APPs, portanto, a expressão da aparente antinomia do desenvolvimento sustentável na medida em que importam restrição ao uso da propriedade sem, contudo, implicar a perda dos demais direitos a ela inerentes. Conserva para si o proprietário todos os demais direitos dominiais que a limitação administrativa não restrinja.
Esta a interpretação extraída da doutrina administrativista, bem representada pelo escólio de Maria Sylvia Di Pietro:
“Nas limitações administrativas, o proprietário conserva em suas mãos a totalidade de direitos inerentes ao domínio, ficando apenas sujeito às normas regulamentadoras do exercício desses direitos, para conformá-lo ao bem estar social;
a propriedade não é afetada na sua exclusividade, mas no seu caráter de direito absoluto, pois o proprietário não reparte com terceiros, os seus poderes sobre a coisa, mas, ao contrário, pode desfrutar de todos eles, da maneira que lhe convenha, até onde não esbarre com óbices opostos pelo poder público em prol do interesse coletivo.” [2].
Em compasso, as pacíficas decisões do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e do colendo Superior Tribunal de Justiça:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. AÇÃO ORDINÁRIA. INDENIZAÇÃO. FORMAÇÃO DE LAGO. USINA HIDRELÉTRICA DE NOVA PONTE. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA AFASTADA. CARACTERIZAÇÃO DE LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PRAZO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS. DECRETO-LEI Nº 3.365/41. APELO DESPROVIDO. – A restrição referente à área de preservação permanente em parte de imóvel não gera a impossibilidade da disposição, utilização ou alienação da propriedade, retratando limitação administrativa imposta em caráter geral a todos os proprietários em condições semelhantes. (…). Precedentes do STJ. (TJMG – Apelação Cível 1.0498.11.001911-0/001, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas , 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 30/10/2012, publicação da súmula em 09/11/2012).
Ação de indenização. Construção de Reservatório da Usina Hidrelétrica de Nova Ponte/MG. Desapropriação. Instituição de Área de preservação permanente no entorno. Prejuízos. Prescrição Qüinqüenal. Reconhecimento. Extinção.
As restrições ao direito de uso de imóvel particular impostas pela Administração Pública, por imposição legal, para fins de proteção ambiental, constituem limitação administrativa, não desapropriação indireta, à medida que há apenas limitação ao uso da propriedade, e não transferência dela. (…) (TJMG – Apelação Cível 1.0498.09.015564-5/001, Relator(a): Des.(a) Almeida Melo , 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 18/11/2010, publicação da súmula em 07/02/2011).
TRIBUTÁRIO. IPTU. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE CUMULADA COM A NOTA DE NON AEDIFICANDI. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO.1. Discute-se nos autos a incidência de IPTU sobre imóvel urbano declarado em parte como área de preservação permanente com nota non aedificandi.2.
Nos termos da jurisprudência do STJ, “A restrição à utilização da propriedade referente a área de preservação permanente em parte de imóvel urbano (loteamento) não afasta a incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano, uma vez que o fato gerador da exação permanece íntegro, qual seja, a propriedade localizada na zona urbana do município. Cuida-se de um ônus a ser suportado, o que não gera o cerceamento total da disposição, utilização ou alienação da propriedade, como ocorre, por exemplo, nas desapropriações.” (REsp 1128981/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 25/03/2010). (…) (REsp 1482184/RS, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2015, DJe 24/03/2015).
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. CRIAÇÃO DO LAGO ARTIFICIAL DA USINA DE PONTE NOVA/MG. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. MERA LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. DIREITO À INDENIZAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL QUINQUENAL. PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DE DIREITO PÚBLICO. (…) 2.
O STJ, em reiterados precedentes, sedimentou o entendimento segundo o qual é quinquenal o prazo prescricional para o ajuizamento das ações que pleiteiam indenização em razão da criação do lago artificial da Usina de Nova Ponte.
Esse entendimento se deve ao fato de que a criação de área de preservação permanente por exigência de legislação ambiental (no caso, a Medida Provisória n. 2.166-67, de 24/8/2001, regulamentada pela Resolução do CONAMA n. 302/2002), tão somente configura mera limitação administrativa, tendo em vista não retirar a propriedade da área. (…) (EDcl no REsp 1308119/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/02/2014, DJe 06/03/2014).
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. RESTRIÇÃO DE USO. LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. PLEITO INDENIZATÓRIO. PRAZO DE PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. 1. Em virtude do nítido caráter infringente, com fundamento no princípio da fungibilidade recursal, recebo os presentes Embargos como Agravo Regimental.
2. A restrição de uso decorrente da legislação ambiental é simples limitação administrativa, e não se confunde com o desapossamento típico da desapropriação indireta. Precedentes do STJ. 3. Isso fica evidente nos casos de imóveis à beira de lagos, em que o proprietário particular continua na posse do bem, incluindo a área de preservação permanente, e usufrui dos benefícios decorrentes da proximidade das águas. (…)(EDcl no AREsp 278.484/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/10/2013, DJe 16/10/2013).
Assim, portanto, como no exemplo das APPs, se descortina a aparente antinomia da expressão desenvolvimento sustentável. O que parecia de impossível conciliação – direito constitucional à propriedade e ao meio ambiente equilibrado – se rende à compatibilização entre a restrição ao uso da propriedade e a manutenção de todos os demais direitos a ela inerentes (disposição, utilização restrita ou alienação da propriedade).
De igual forma, da espécie para o gênero, assim se deve interpretar o direito ambiental em todas as suas nuances, com moderação, tempero, razoabilidade, harmonização, sem se perder de vista o fato de que cuida-se de uma ciência construída pelo homem e que tem por objeto a preservação ambiental, tão somente, na exata medida da perenidade do progresso humano.
BRUNO PENA DO CARMO
Conheça a nossa atuação dentro do Direito Ambiental.
[1] MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. – 7. Ed. rev., atual. e reform. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. – 17. Ed. – São Paulo: Atlas, 2004.
[3] GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 9. Ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2004.