A administração conjunta nas sociedades limitadas é um importante instrumento jurídico, cuja previsão legal se encontra nos artigos 550 a 553 do Novo Código de Processo Civil Brasileiro, a ação de exigir contas – comumente conhecida por Ação de Prestação de Contas – compete a quem tenha o direito de exigi-las.
Cuida-se de solução judicial que visa impor obrigação de demonstrar minuciosamente a origem e o destino de recursos financeiros à quem administra bens de terceira pessoa.
Nas precisas lições de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery:
“Entende-se por devedor de contas o que administrou bens ou interesses alheios e credor delas aquele em favor de quem a administração se deu. O interessado na ação de prestação de contas é a parte que não saiba em quanto importa seu crédito ou débito líquido, nascido em virtude de vínculo legal ou negocial gerado pela administração de bens ou interesses alheios, levada a efeito por um em favor do outro”.[1]. [grifado].
A exegese é complementada pelo mestre Humberto Theodoro Júnior, para quem a comunhão de bens e interesses decorrente do relacionamento patrimonial estabelecido entre os parceiros “provoca, na prática, em toda sociedade, regular ou não, a administração de bens alheios por parte daquele que gere o acervo comum”[2].
Trata-se de instrumento de grande relevância no seio das empresas, sociedades empresárias cuja organização importa na divisão de responsabilidades entre os seus sócios, onde, em tese, elege-se um responsável pela administração enquanto os demais, não diretamente envolvidos nas decisões sobre os destinos da empresa, aguardam apenas a divisão dos seus eventuais lucros.
Tomando-se como exemplo as sociedades limitadas, é possível inclusive afirmar que a ação de exigir contas socorre apenas àqueles sócios que não participam diretamente da administração conjunta nas sociedades da empresa, porquanto os demais, investidos dos poderes de administrador, têm acesso direto às contas, não possuindo, por conseguinte, interesse processual em obtê-las através de provimento judicial.
Este é, segundo o escólio de Fábio Ulhôa Coelho, o direito de fiscalização que possuem os sócios não administradores, não extensível aos que possuem acesso direto e irrestrito às contas da sociedade, vez que, na hipótese, a fiscalização confundir-se-ia com a própria gestão.
“O direito de fiscalizar os atos de gerência é titularizado, não há dúvida, pelo sócio que não participa da administração da sociedade. Discute-se, entretanto, se o sócio investido de poderes de administração também o titulariza. Há decisões judiciais que, por exemplo, negam, na sociedade com dois ou mais sócios, com poderes de administração, o direito de um deles exigir a prestação de contas do outro. O tratamento da questão deve partir da complexidade da gestão da empresa. Numa limitada que explora negócio de pequenas proporções, em que todos os sócios participam do cotidiano da administração, movimentam em conjunto as contas bancárias e discutem cada operação, a fiscalização se confunde com a própria gestão”[3].
Com efeito, revela-se a ausência de conhecimento próprio e direto acerca das contas societárias requisito legal não escrito para o manejo da Ação de Exigir Contas. Por óbvio, não se verificando – em relação a quem exige as contas – obstáculo ao conhecimento próprio e direto das contas de determinada sociedade, não há que se falar em legitimidade para a exigência judicial de prestação de contas.
É, aliás, o que se verifica em grande parte das empresas brasileiras, em sua imensa maioria de natureza familiar – 90% segundo dados do SEBRAE[4] –, nas quais, apesar de determinados sócios não figurarem nos contratos sociais da empresa como sócios administradores, participam efetivamente e sem restrição da administração da sociedade, com livre acesso às suas contas.
Na hipótese, verificando-se no plano fático a gestão conjunta da sociedade e o livre acesso às suas contas, inexistente se torna a obrigação de prestar judicialmente as contas. Este o entendimento pacífico do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – REVELIA – EFEITOS – RELATIVIDADE – ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA – RETIRADA DE UM DOS SÓCIOS INDEMONSTRADA – ÔNUS DA PROVA – OBRIGAÇÃO DE PRESTAR CONTAS – INOCORRÊNCIA
A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face à revelia é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz. – “”A ação de prestação de contas pode ser proposta tanto por quem tem o direito de exigi-las, bem como por quem esteja obrigado a prestá-las. Inexiste tal direito se a sociedade é administrada conjuntamente pelos dois sócios, quando não há nos autos comprovação de prática de ato isolado por um dos sócios ou negativa de fornecimento de documentos contábeis da sociedade.
Não havendo gerência de negócio alheio inexiste obrigação de prestar contas, sendo inaplicáveis os artigos 1.020 do Código Civil e 293 do Código Comercial, pois se referem aos sócios administradores e não aos que têm igual poder de ingerência na sociedade””. (Apelação Cível 1.0134.08.097054-1/001, Relator(a): Des.(a) Tarcisio Martins Costa , 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/08/2009, publicação da súmula em 21/09/2009). [grifado].
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. SOCIEDADE LIMITADA. DOIS SÓCIOS. ADMINISTRAÇÃO CONJUNTA. DESCABIMENTO. IGUAL PODER DE GERÊNCIA NA SOCIEDADE. I- A prestação de contas deve ser dada por quem administra bens alheios, sendo certo que, em se tratando de sociedade limitada, o direito de pedir conta dos atos de gerência é titularizado pelo sócio que não participa da administração da sociedade. II- É incabível a pretensão de um dos sócios de exigir prestação de contas do outro administrador, quando comprovado que os atos de gerência eram praticados pelos dois em conjunto e que havia acesso irrestrito a informações e documentos contábeis da sociedade. (Apelação Cível 1.0145.08.472273-8/001, Relator(a): Des.(a) João Cancio , 18ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/04/2013, publicação da súmula em 26/04/2013). [grifado].
Destarte, em que pese a importância e a eficácia da medida judicial de exigir contas, esta somente pode ser utilizada por quem realmente, não possuindo conhecimento próprio e direto, faz jus à apresentação pormenorizada das contas.
BRUNO PENA DO CARMO
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[1] NERY JUNIOR, Nelson. Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 11ª ed. rev. ampl. e atual. Até 17.2.10. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. vol. III – Procedimentos especiais, Rio de Janeiro: Forense, 2009.
[3] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, Direito de Empresa – Vol.2: Direito de Empresa. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
[4] Disponível em <http://www.sebrae-sc.com.br/newart/default.asp?materia=10410>. Acesso em 29/03/16.