O que fazer quando você passa por uma situação de cobrança vexatória?
Na realidade brasileira, por vezes, o fornecedor de determinado produto ou prestação de serviços se depara com as dificuldades vividas por consumidores para honrar com as obrigações avençadas.
Considerando as normas jurídicas protetivas dos direitos do consumidor, tido este como parte hipossuficiente da relação de consumo, muito se questiona acerca das possibilidades de realização de cobrança.
Com efeito, a cobrança de dívida é atividade legítima, se consubstanciada em exercício regular de direito. Assim, com o intuito de apenas fixar limites para eventuais cobranças, de modo a evitar o abuso e, desta forma, a interferência no exercício de atividades profissionais, de descanso ou lazer, o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em disposição contida no art. 42 [1], determina que na cobrança de dívidas, o consumidor inadimplente não poderá ser exposto à ridículo nem submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Quanto ao ponto, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, coautor do anteprojeto do CDC, advoga no seguinte sentido:
Além do não envolvimento de terceiros, outro bom exemplo de limite à cobrança é quanto ao local e momento de sua realização: o legislador não proibiu a cobrança feita em determinados lugares, como o local de trabalho, ou em momento de descanso ou lazer, porém, não pode a conduta de cobrar interferir na efetiva realização dessas atividades pelo consumidor, sendo o grau de interferência examinado caso a caso.
À título exemplificativo, ressalta-se a possibilidade da cobrança ser realizada através de correspondência dirigida ao devedor. Noutro lado, também é possível que se concretize por intermédio de telefonemas, desde que o assunto da ligação se restrinja ao conhecimento daquele que deve.
Quanto ao ponto, é entendimento emanado dos Tribunais de Justiça:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. NOTAS PROMISSÓRIAS. PRESCRIÇÃO. REGRA GERAL. DANO MORAL. COBRANÇA NO LOCAL DE TRABALHO. FALTA DE CAUTELA. SITUAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO PARA O DEVEDOR. CONHECIMENTO DE TERCEIROS SOBRE A DÍVIDA COBRADA. OFENSA À HONRA. DEVER DE INDENIZAR QUE SE IMPÕE. QUANTUM. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REGULARIDADE NOTA PROMISSÓRIA. ÔNUS CREDOR. PROVA AGIOTAGEM.
– Considerando que o pedido inicial se funda na cobrança indevida de valores, o prazo prescricional aplicável é o previsto no caput do art. 205 do Código Civil, qual seja; de 10 anos.
– A cobrança de dívida que expõe o devedor à situação vexatória é vedada pelo artigo 42, caput do Código de Defesa do Consumidor, e, por gerar inequívoco constrangimento, dá ensejo à reparação de ordem moral.
– Cabe ao credor o ônus de provar a regularidade das notas promissórias. Ausente tal comprovação, é de se reconhecer a prática de usura, atividade ilícita (artigo 1º do Decreto 22.626/33) que conduz à nulidade do título (artigo 166, inciso II, combinado com o artigo 82, todos do Código Civil, e artigo 11 da Lei de Usura). (TJMG – Apelação Cível 1.0105.08.265182-6/001, Relator(a): Des.(a) Luiz Carlos Gomes da Mata , 13ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 05/04/2018, publicação da súmula em 13/04/2018).
A previsão do art. 42 deve, ainda, ser analisada conjuntamente com o art. 71, da referida lei, que preleciona: “utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer: Pena – Detenção de três meses a um ano e multa.”
Pelo exposto, infere-se que o tipo penal visa a tutela da honra, da liberdade e paz individual e do exercício do direito trabalhista, de modo que são consideradas violações dos dispositivos supramencionados e, como consequência, proibidos de maneira absoluta no momento da cobrança: a utilização de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral; e o emprego de afirmações falsas, incorretas ou enganosas.
Portanto, além de poder configurar delito penal, a cobrança poderá acarretar em direito do consumidor a indenização por danos morais, se a conduta do cobrador for a prescrita no caput do art. 42 do CDC, isto é, for vexatória. Todavia, ressalta-se que, ainda assim, a natureza do crédito não será afetava, não ocorrendo a sua extinção.
Conclui-se, então, que são várias as maneiras de se cobrar uma dívida, seja por meio judicial ou extrajudicial (cartas e telefonemas, por exemplo). Todavia, quando realizada extrajudicialmente deve-se ter muita cautela para que não exista situação vergonhosa que possibilite ao devedor se sentir constrangido, ressaltando-se, principalmente, que a ocorrência da cobrança não deve chegar ao conhecimento de terceiros.
TARSILLA VECCHI PACHECO COELHO
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[1] BRASIL. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990.
[2] BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos, e outros. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.