Presenciamos a transição de uma sociedade findando aos poucos o conservadorismo, à uma sociedade moderna, onde cada vez mais se incentiva, cria e cultiva a veia empreendedora, surgindo vários novos negócios contemplados com ideias inovadoras e tecnológicas.
Todavia, antes de empreender, é necessária especial atenção ao tipo societário a ser escolhido para o negócio. O idealizador/empreendedor deve ter em mente de que a escolha adequada da forma societária pode trilhar os rumos do sucesso do empreendimento, assim como do fracasso, caso não se tome uma decisão correta.
O Código Civil brasileiro divide as sociedades em dois grandes grupos: em um, ele tratou das sociedades personificadas; no outro, das sociedades não personificadas.
Em regra, uma sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição dos seus atos constitutivos no registro próprio e na forma da lei. São as sociedades personificadas, a exemplo da sociedade limitada e da sociedade anônima, que são as mais usuais e conhecidas dentre os tipos societários no Brasil.
Por outro lado, existem as sociedades desprovidas deste instituto da personalidade jurídica – sociedade não personificada -, mas que possuem outras características igualmente importantes e decisivas para a classe empresarial, servindo, muitas vezes, como estratégia para conjugação de esforços entre empresários, reduzindo-se custos e eventuais prejuízos.
A mencionada importância da escolha do tipo societário diz respeito à este desarranjo empresarial que o indivíduo encontra ao decidir iniciar uma sociedade. Cada tipo possui suas vantagens e desvantagens que devem ser analisados em consonância com a atividade prestes a ser exercida pelo empreendimento.
Dentre tantos tipos a serem escolhidos, muitos empresários, sem uma adequada instrução e amparo jurídico e contábil, tendem a optar por aqueles mais conhecidos, como a Sociedade Limitada, que por ser uma sociedade personificada, com registro específico na junta comercial, passa uma ideia de maior segurança para o empreendimento.
E neste cenário, a depender do negócio idealizado, existe uma figura pouco conhecida e que, por possuir inúmeros benefícios, se torna uma opção viável: a Sociedade em Conta de Participação – SCP, tratada pelo Código Civil de 2002 nos artigos 991 a 996.
As SCPs, em síntese, são sociedades desprovidas de personalidade jurídica e que, devido às suas peculiaridades, são conhecidas por parte da doutrina como “sociedades secretas”, ou apenas como um “contrato especial de investimento”.
Acerca da conceituação e da natureza jurídica das SCPs, leciona José Marcelo Martins Proença :
“A sociedade em conta de participação, atualmente disciplinada nos arts. 991 e 996 do CC, tem por principal característica ser uma sociedade despersonalizada. Assim, diferentemente das demais espécies societárias (…), a conta de participação não possui personalidade jurídica própria, ou seja, não é uma nova pessoa jurídica e tampouco assume obrigações em seu próprio nome.
Trata-se, na realidade, de uma sociedade oculta, pois seu contrato não é levado a registro na Junta Comercial, sendo, portanto, desconhecido de terceiros. Tal sociedade, assim, valerá apenas entre seus sócios contratantes. Apesar de dizer-se oculta, pois seu contrato não deve ser levado a registro, não se trata de sociedade ilícita, eis que está devidamente tipificada na lei” (…)”
Neste tipo societário existem duas espécies distintas de sócios: o sócio ostensivo e o participante – comumente conhecido como oculto. Este é o teor do artigo 991 do CC/02:
Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.
Em análise do dispositivo em destaque, observa-se que o sócio ostensivo é quem exerce a atividade constitutiva do objeto empresarial e assume os riscos do empreendimento em seu nome individual, se obrigando para com terceiros de forma única e exclusiva pelos resultados e obrigações do negócio, enquanto o sócio participante, como o próprio nome diz, apenas participa dos resultados correspondentes e se obriga exclusivamente perante ao sócio ostensivo.
Este é, inclusive, o entendimento da Jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AGRAVO RETIDO – INDEFERIMENTO DE PROVA TESTEMUNHAL E PERICIAL – SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO – SÓCIO OCULTO OU PARTICIPANTE – SÓCIO OSTENSIVO.
Cabe ao Juiz decidir a necessidade ou não de produção de prova para seu convencimento, não havendo que se falar, nestes casos, em cerceamento de defesa. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais sócios dos resultados correspondentes. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social. (TJMG – Apelação Cível 1.0024.13.076490-5/001, Relator(a): Des.(a) Marco Aurelio Ferenzini , 14ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03/03/2016, publicação da súmula em 11/03/2016)
Vale ressaltar que o sócio que aporta o capital, no papel de sócio participante/oculto da SCP, tem liberdade para, dentro dos limites da relação com o sócio ostensivo, auxiliá-lo e fiscalizá-lo nos atos do empreendimento. Contudo, não pode tomar parte nas relações do ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.
Mesmo existindo o termo “sociedade” em sua denominação, o seu contato e vínculo com o mundo exterior se dá apenas por intermédio da figura do sócio ostensivo, permanecendo os participantes como “ocultos” para o público em geral.
Na hipótese de falência do sócio ostensivo, há a imediata dissolução da sociedade com a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário (art. 994, §2º, CC/02), ou seja, o investidor, neste caso, seria tratado como credor, e não como sócio propriamente dito do empreendimento, já que a sociedade em si não faliu. Todavia, falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido (art. 994, §3º, CC/02).
Outro detalhe importante deste tipo societário e que o diferencia dos demais, é a condição de informalidade que o acompanha, tendo em vista que a constituição societária, nos termos do art. 992 do CC/02, “independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito”. Em síntese, um simples contrato – até na modalidade verbal – é suficiente para o início da SCP, ressaltando que este contrato produz efeito apenas entre os sócios!
Esta simplicidade e informalidade, todavia, não resulta em uma sociedade insegura e fadada ao insucesso. Pelo contrário, havendo um contrato bem estruturado, com especificações claras e completas do objeto contratual e de todas as disposições que regem à espécie, a Sociedade em Conta de Participação será segura e resguardará os sócios.
Em virtude da inexistência de personalidade jurídica própria, não há um patrimônio social como há nas conhecidas sociedade LTDA e Sociedade Anônima. Contudo, há um “patrimônio especial”, conforme dispõe o art. 994 do Código Civil, que é a soma das contribuições do sócio oculto e do ostensivo, cabendo a este último a utilização deste patrimônio para a consecução do fim almejado pela sociedade, conforme descrito no contrato social.
Ressalta-se, por oportuno, que mesmo que não tenha personalidade jurídica, a Receita Federal, através da Instrução Normativa (IN) RFB 1.863/18, exige a obrigatoriedade da inscrição das SCP’s perante o Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas (CNPJ). Contudo, essa inscrição é meramente destinada a fins tributários, não havendo o condão de conferir a este tipo societário a personificação jurídica.
Por fim, a liquidação do contrato das sociedades em conta de participação se efetua, dada a inexistência de personalidade jurídica neste tipo societário, por meio de procedimento de prestação de contas (art. 996 do Código Civil).
E com todo o exposto sobre este tipo societário, observa-se que a Sociedade em Conta de Participação se mostra como uma excelente opção para a viabilização de empreendimentos e negócios dinâmicos, sendo indispensável uma análise concreta e criteriosa para a sua aplicação, no intuito de levar segurança jurídica aos idealizadores do objeto empresarial e dos próprios investidores.
No entanto, é de extrema importância a assessoria de um advogado especialista no ramo empresarial, a fim de que formule um contrato para constituição da SCP bem estruturado, estratégico e completo, evitando-se impactos negativos e surpresas desagradáveis.
DIEGO FONSECA SILVA
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