No direito brasileiro, há muito se reconhece a possibilidade da existência de copropriedade imobiliária, ou seja, do compartilhamento da propriedade entre pessoas que tenham adquirido a propriedade de determinado bem imóvel. O código civil brasileiro, aliás, dedica um capítulo inteiro ao “Condomínio Geral”, dada a sua relevância e importância na sociedade moderna.
Na hipótese, em razão da comunhão da propriedade entre duas ou mais pessoas, estabelece-se entre elas o condomínio, cujo significado literal corresponde ao domínio exercido simultaneamente por mais de uma pessoa.
Nas palavras do sempre objetivo Sílvio Rodrigues:
“Dá-se o condomínio quando, em uma relação de direito de propriedade, diversos são os sujeitos ativos. Definindo o domínio, na forma do art. 1.228, caput, do Código Civil, como direito de usar, gozar, dispor de um bem e de reavê-lo de quem injustamente o detenha, fácil é chegar à ideia de condomínio, imaginando plural, e não singular, o sujeito desse direito.”
Ao condômino, em razão da sua propriedade, a lei confere direitos, dentre os quais, os de usar, gravar, reivindicar e alienar a coisa comum, é o que se depreende do art. 1.314, do digesto civil brasileiro, in verbis:
Art. 1.314. Cada condômino pode usar da coisa conforme sua destinação, sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão, reivindicá-la de terceiro, defender a sua posse e alhear a respectiva parte ideal, ou gravá-la.
Parágrafo único. Nenhum dos condôminos pode alterar a destinação da coisa comum, nem dar posse, uso ou gozo dela a estranhos, sem o consenso dos outros.
Com efeito, como coproprietário de determinado imóvel, pode o condômino usar livremente a coisa, conforme o seu destino, bem como sobre ela exercer todos os direitos compatíveis com a indivisão. Quer isto dizer que o uso do imóvel pelo condômino é pleno, encontrando restrição, tão somente, em igual uso por parte dos demais proprietários.
É comum, contudo, especialmente nas áreas rurais em que a subdivisão de glebas encontra obstáculo nas frações mínimas de parcelamento legalmente estabelecidas – menor área que um imóvel rural, num dado município, pode ser desmembrado –, que se encontrem coproprietários de uma mesma matrícula imobiliária fazendo uso exclusivo de áreas que, apesar de formalmente indivisas, se encontram perfeitamente delimitadas no plano fático e social, uma vez que os limites gozam do absoluto respeito dos condôminos.
Quanto ao reconhecimento da individualização e perfeita localização da parte sobre a qual determinado condômino exerça com exclusividade o seu direito de propriedade, a melhor doutrina classifica o condomínio em pro diviso ou pro indiviso. Atentemo-nos apenas ao primeiro em razão da sua relevância para o presente artigo. Na melhor lição de Sílvio de Salvo Venosa:
“No condomínio pro diviso, existe apenas mera aparência de condomínio, porque os comunheiros localizaram-se em parte certa e determinada da coisa, sobre a qual exercem exclusivamente o direito de propriedade. (…). Por vezes, vários são os proprietários da mesma área, mas já localizados sobre determinada gleba: cercaram-na, respeitam os respectivos limites. Nessas hipóteses de condomínio pro diviso, a comunhão existe de direito, mas não de fato.”
É precisamente o que temos nas áreas rurais que margeiam os limites urbanos dos municípios, glebas que não podem ser formalmente fracionadas no registro imobiliário, mas há muito se encontram perfeitamente subdivididas no plano fático.
Mas é justamente nesse conflito entre o que prevê a “teoria” do direito e as práticas observadas no mundo dos fatos que muitos se questionam: Se as áreas não são legalmente subdivididas e, portanto, indivisas, seria necessária a autorização de todos os coproprietários para a realização de obras individuais, em áreas de uso aparentemente exclusivo? Referida dúvida, aliás é semente fértil de conflitos entre condôminos.
A resposta para o questionamento está no próprio direito do condômino de exercer todos os seus direitos de proprietário sobre toda a coisa e no reconhecimento da existência do já conceituado condomínio pro diviso.
Com efeito, ante ao arcabouço jurídico conferido ao direito de propriedade do condômino e, ainda, diante do reconhecimento pela melhor doutrina, da existência de condomínio pro diviso, sendo este aquele sobre o qual os coproprietários exercem propriedade exclusiva sobre determinada área, não há se falar, na hipótese, em necessidade de anuência de todos os consortes para a realização de obras na área individualizada.
Este o entendimento já pacificado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, bem representado pelo precedente seguinte:
AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO. ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RURAL. CONDOMÍNIO “PRO DIVISO”. MUDANÇAS EM BENFEITORIAS QUE NÃO IMPORTAM EM TRANSFORMAÇÃO DA SUBSTÂNCIA OU DESTINO DA COISA. PRESCINDIBILIDADE DO CONSENSO DOS CONDÔMINOS. EXEGESE DO ART. 628 DO CÓDIGO CIVIL/16. Consoante lição da doutrina, condomínio “pro diviso” é aquele em que a comunhão existe de direito, mas não de fato, uma vez que cada condômino já se localiza numa parte certa e determinada da coisa. As modificações em benfeitorias que não alteram a substância ou destino da coisa, mormente quando levadas a cabo dentro da área dividida materialmente, no condomínio “pro diviso”, não necessitam da anuência dos demais condôminos. O ônus de provar os vícios arrolados no art. 147, II, do Código Civil/16, ou 171, II, do Novo Código Civil, é de quem alega, prevalecendo como regra geral a de que o ato jurídico foi celebrado com livre manifestação de vontade. Inexistência de qualquer vício apto a nulificar o ato jurídico impugnado. (TJMG – Apelação Cível 2.0000.00.390030-1/000, Relator(a): Des.(a) Domingos Coelho, Relator(a) para o acórdão: Des.(a), julgamento em 08/10/2003, publicação da súmula em 25/10/2003). [grifado].
Sobreleva frisar que o reconhecimento da existência do condomínio pro diviso referente a determinada propriedade exclusiva não pode constituir qualquer embaraço ou limitação ao direito dos demais coproprietários do imóvel, socorrendo a estes, acaso se sintam prejudicados, a proteção legal concedida pelo já citado art. 1.314 do código civil, lhes assistindo a possibilidade de defender a sua eventual posse, até mesmo em face de condômino.
Diante, contudo, de possível conflito entre o direito dos condôminos de uma mesma propriedade rural, é de todo desejável que se promova o reconhecimento do condomínio pro diviso e a perfeita delimitação das áreas sobre as quais os coproprietários exercem posse exclusiva através de documento elaborado com a devida orientação jurídica de advogado capacitado, de forma a assegurar direitos individualizados e a convivência harmônica entre todos.
BRUNO PENA DO CARMO
Advogado OAB/MG 108.887
Especialista Direito Ambiental – UFV
Bacharel Administração – UFV
¹RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito das coisas, volume 5 – 28. ed. rev. e atual. de acordo com o novo código civil – São Paulo: Saraiva, 2003. Pág. 195.
²VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais – 8. ed. – São Paulo: Atlas, 2008. Pág. 315.