O termo “alimentos” designa a prestação fornecida a uma pessoa, em dinheiro ou em espécie, para que possa atender suas necessidades de alimentação, habitação, higiene, vestuário, saúde, educação e lazer.
O direito a recebê-los surge como corolário do princípio da preservação da dignidade humana, e como tal, possui natureza de direito da personalidade, ao passo em que assegura a inviolabilidade do direito à vida, à integridade física e psíquica, à saúde, à honra e ao desenvolvimento pessoal àqueles que não podem prover, pelo trabalho, a própria mantença.
O dever de prestá-los, por sua vez, possui sua extensão subjetiva definida no artigo 1.694 do Código Civil Brasileiro, pelo qual “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
Tem-se, então, o parentesco como vínculo originador do direito de receber e do dever de prestar alimentos, os quais devem guardar, por força do artigo 1.694, §1º do Código Civil, uma relação de proporcionalidade entre as necessidades de quem os recebe e as possibilidades financeiras de quem os presta.
A lei civil cuidou-se, ainda, de prever a ordem sucessiva pela qual serão os parentes chamados a fornecer alimentos a quem deles necessitar, partindo do parente mais próximo ao mais remoto. É o que se percebe a partir da leitura do artigo 1.696:
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.
Conclui-se, então, que a obrigação alimentar recai em primeiro lugar sobre os pais do alimentando – por serem eles os mais próximos ascendentes – e, na falta ou na impossibilidade financeira destes, sobre os avós, e, em seguida, bisavós.
O assunto é enfrentado de maneira mais detalhada pelo artigo 1.698 do Código Civil, ao prever que:
Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide.
Partindo da análise da primeira parte do dispositivo legal transcrito, observa-se que o dever dos avós em prestar alimentos aos netos possui natureza excepcional, subsidiária e complementar ao dever atribuído aos pais.
Em termos práticos, isto quer dizer que, para que o dever de prestar alimentos recaia efetivamente sobre os avós, aquele que os pleiteia deverá demonstrar, no bojo do processo judicial, que os genitores não podem suprir, total ou satisfatoriamente, as necessidades do alimentante. Os avós possuem, pois, benefício de ordem, de forma que, uma vez provocados a pagar pensão alimentícia aos netos, podem exigir que esta obrigação recaia, antes, sobre os pais.
Além disto, é preciso comprovar que os avós contam com capacidade financeira suficiente para assumir o pagamento da pensão, lembrando que a prestação alimentícia não pode sacrificar a subsistência daqueles que a fornecem.
No mesmo sentido é o entendimento pacífico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que assim decidiu:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALIMENTOS AVOENGOS. INCAPACIDADE DA AVÓ PATERNA. Em se tratando de alimentos avoengos, a obrigação só existe de forma excepcional, complementar e subsidiária (artigo 1698 do CC). Além disso, é preciso comprovar que os avós detenham capacidade financeira suficiente para assumir o pagamento da pensão. Recurso conhecido e desprovido (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0081.15.000548-6/001, Relator(a): Des.(a) Albergaria Costa, 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/11/2016, publicação da súmula em 16/12/2016) [grifado].
Somente assim recairá sobre os avós ou, sucessivamente, bisavós, o dever de prover total ou parcialmente as necessidades dos netos, suprindo ou complementando os alimentos já prestados pelos pais na medida de sua capacidade econômica. Vale esclarecer, porém, que não se pode intentar contra os avós execução de alimentos não pagos pelos genitores, vez que tal medida configuraria impor a terceiro o pagamento de dívida alheia.
No ponto, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido “ser imprescindível o esgotamento dos meios processuais necessários à coerção do genitor para o cumprimento da obrigação alimentar, inclusive mediante a decretação da sua prisão civil, prevista no art. 733 do CPC, para só então ser possível o redirecionamento da demanda aos avós”.
Nada obsta, porém, que a ação de alimentos ajuizada contra os avós se dê cumulativamente à ação proposta em face dos pais, de forma que a instrução probatória desta servirá à prova da eventual incapacidade financeira dos genitores a ensejar a extensão da obrigação alimentar aos progenitores. Segundo Maria Berenice Dias, “a cumulação da ação contra pais e avós tem a vantagem de assegurar a obrigação desde a data da citação”.
Em adição, ainda nos termos do artigo 1.698 do Código Civil, a pensão alimentícia avoenga, enquanto divisível, é passível de ser distribuída proporcionalmente entre todos os avós, paternos e maternos, na medida de suas respectivas possibilidades financeiras.
Sobre a distribuição proporcional do encargo alimentar, decidiu o Tribunal Mineiro:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – ALIMENTOS AVOENGOS – CHAMAMENTO AO PROCESSO DOS AVÓS MATERNOS – POSSIBILIDADE. – Os avós paternos, réus na ação de alimentos ajuizada por seus netos menores, têm o direito de chamar ao processo os co-responsáveis pela obrigação alimentar, os avós maternos, para o fim de ser dividida a obrigação entre eles levando em consideração suas possibilidades financeiras (TJMG – Agravo de Instrumento-Cv 1.0702.15.020075-7/001, Relator(a): Des.(a) Rodrigues Pereira (JD Convocado), 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 10/11/2015, publicação da súmula em 16/11/2015) [grifado].
Com isso, uma vez demandado(a) judicialmente para prestar alimentos avoengos, poderá o(a) avô(ó) chamar os demais para integrar a relação processual e responder, de maneira conjunta, pela prestação alimentícia pleiteada, sendo assim formado um litisconsórcio passivo entre eles, termo jurídico que designa a reunião processual de pessoas no polo passivo quando houver comunhão de obrigações relativamente à lide.
Por todo o exposto, sem a pretensão de se esgotar o tema, verifica-se que o estabelecimento de pensão alimentícia avoenga se trata de medida excepcional, condicionada à impossibilidade total ou parcial de os próprios pais proverem as necessidades dos filhos, e voltada a garantir aos netos o primeiro direito fundamental do ser humano: sobreviver de maneira digna.
MARCELA NUNES DE OLIVEIRA
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