A alteração nas relações econômicas e financeiras da sociedade muitas vezes exige a adequação da tributação para a nova realidade fática.
É nesta linha que se modificou a cobrança de ICMS frente ao aumento significativo do comércio interestadual, principalmente online, a destinatário final (consumidores). Até o ano de 2015, a tributação de uma operação interestadual destinando mercadoria ao consumidor final era integralmente tributada no Estado de origem do produto.
Assim, por exemplo, se um consumidor do Estado do Rio Grande do Norte adquirisse um produto através de um site cuja empresa responsável tem sede no Estado de São Paulo, todo o ICMS relativo à circulação da mercadoria era calculado com base na legislação paulista e devido ao Estado de São Paulo.
Percebeu-se que esta sistemática prejudicava os Estados com menor índice de desenvolvimento, aumentando a arrecadação de Estados com maior presença de empresas do ramo tecnológico (em geral, Estados mais ricos) às custas de consumidores habitantes de outros Estados.
Vale dizer, no ICMS, embora o consumidor final não seja o contribuinte do tributo é ele quem efetivamente arca com o custo tributário.
Com isto em mente, buscou-se maior justiça na repartição das receitas tributárias entre os Estados através da Emenda Constitucional 87/2015, alterando a sistemática de cobrança do ICMS em operações interestaduais destinadas a consumidor final.
Posteriormente, o CONFAZ (Conselho Nacional de Política Fazendária), órgão cuja competência inclui a celebração de convênios entre os Estados, editou o convênio ICMS 93/2015, materializando a nova sistemática constitucional e instituindo, de fato, o Difal-ICMS.
Com o Difal (diferencial de alíquota), o ICMS em operações interestaduais que destinem mercadorias a consumidor final não contribuinte do imposto passou a ser tributado com base na alíquota do Estado de destino da mercadoria, destinando parte da receita tributária para o Estado de destino e parte para o Estado de origem do produto.
Em 2021, contudo, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a cobrança do Difal instituído por convênio do CONFAZ. Ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5469/DF, o STF entendeu que a Emenda Constitucional 87 criou nova relação jurídico-tributária entre o remetente da mercadoria e o Estado de destino do bem.
Com isso, a criação do novo tributo dependeria de lei (complementar), não sendo matéria passível de convênio dos Estados, razão pela qual seria inconstitucional toda a cobrança na sistemática do Difal realizada entre 2015 e 2021. Todavia, o próprio STF promoveu a modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade, validando a cobrança do Difal até 31/12/2021, ressalvadas as ações judiciais anteriores ao julgamento.
Apesar da modulação dos efeitos da decisão, minimizando os impactos aos Estados da declaração de inconstitucionalidade do Convênio ICMS 93/2015, o julgamento pelo STF foi claro em apontar que, sem lei complementar que verse sobre a matéria, o Difal não poderia ser cobrado a partir de 01/01/2022.
Com isso, os Estados apressaram-se em obter, por parte do Congresso Nacional, a edição de lei complementar ainda em 2021 que permitisse a cobrança de ICMS pela sistemática do Difal em 2022.
Apesar de legislativamente aprovada em 2021, a lei complementar em questão somente foi sancionada e publicada pelo Presidente da República em 04/01/2022 (Lei Complementar 190/2022).
Ocorre, contudo, que as eficácias das leis instituidoras de tributos, em regra, só pode se dar a partir do ano posterior a publicação da lei, ou seja, a lei que cria um tributo só pode valer a no ano seguinte à sua publicação, por força do princípio da anterioridade tributária, que busca dar alguma previsibilidade ao contribuinte quanto às suas obrigações tributárias
Assim, diante da publicação da Lei Complementar 190 já em 2022 e do teor da decisão da ADI 5469/DF pelo STF, há argumentos fortes para se considerar que a cobrança do ICMS na sistemática do Difal só poderá acontecer a partir de 2023.
Apesar disto, diversos Estados já editaram normas próprias prevendo a cobrança do imposto ainda em 2022, levando contribuintes ao Poder Judiciário e criando insegurança jurídica quanto à tributação neste ano de 2022.
Até que a questão seja novamente uniformizada por nova decisão dos tribunais superiores, é fundamental que o contribuinte sujeito ao Difal-ICMS esteja bem assessorado por profissionais da advocacia e da contabilidade, afim de evitar tributação fora dos parâmetros constitucionais, bem como ter eventuais direitos prejudicados em razão de possível nova modulação de efeitos de decisão judicial.
Fábio Malheiros de Oliveira Almeida
Estagiário Acadêmico do Carmo e Arantes Advogados Associados